Skip to main content

Na década de 90, Maria Bethânia deu voz à música de abertura para a novela global Fera Ferida. Os versos da canção evidenciam como uma pessoa emocionalmente machucada torna-se arisca e reativa a novas demonstrações de afeto. De maneira similar, muitos casais enfrentam situações de conflitos no namoro ou casamento em razão de feridas provocadas por mágoas e frustrações do passado. Muitos, contudo, acreditam que cobrir estas feridas com demonstrações de amor e novos afetos é suficiente para reverter e curar as questões que machucaram e prejudicaram o relacionamento. Todavia, ingenuamente, esse grupo não percebe que em “feridas abertas até carinho machuca”.

Feridas abertas não se dissipam no ar

Todo homem ou mulher já machucou seu par amoroso durante o convívio no relacionamento. Aqueles que afirmarem o contrário, certamente estão mentindo ou nunca tiveram a sensibilidade de perguntar ao companheiro/companheira se alguma de suas atitudes já provocou algum tipo de dor emocional ou frustração. No entanto, como as dores do relacionamento não se dissipam no ar, demandam que sejam efetivamente tratadas e superadas. Ainda assim, muitos casais agem como se tais eventos nunca tivessem ocorrido. Em consequência, vivem em constantes conflitos no relacionamento. Por isso, mesmo nas tentativas de reaproximação ou demonstrações de carinhos, a parte ferida costuma reagir como uma fera, em razão das dores provocadas pelas feridas abertas.

Mesmo sem dispor dos meios adequados para construir e manter um relacionamento amoroso, é fato que todos os casais se propõem ao sucesso dessa missão. Assim, movidos por esse propósito, mesmo machucados e magoados por atitudes inadequadas ocorridas no relacionamento, a exemplo das traições, ciúmes e gestos agressivos, muitos homens e mulheres adotam, ainda que ingenuamente, condutas que intuem superar os conflitos e avançar no relacionamento. Em termos práticos, oferecem à pessoa ferida uma série de tentativas de afeto, jantares, viagens e promessas de mudanças, acreditando que cobrir as feridas abertas com esses mimos seja suficiente para reverter e curar os males provocados ao par e ao relacionamento. Na verdade, tais condutas mostram-se como um gesto insensível, pois agridem mais do que afagam. Afinal, demonstra a completa falta de empatia e responsabilidade afetiva para com o outro.

Em feridas abertas até carinho machuca. Essa frase ilustra porque algumas pessoas tentam dar carinho e afeto, mas recebem de volta pedradas e agressividades abertas tornam as pessoas mais reativas, prejudicando a evolução do relacionamento. Por isso, é fundamental procurar ajuda para superar essa questão.
Feridas emocionais abertas tornam as pessoas mais reativas, prejudicando a evolução do relacionamento. Por isso, é fundamental procurar ajuda para superar essa questão.

Falta empatia e responsabilidade afetiva

Em meu consultório, frequentemente, ouço queixas do tipo: “tentei dar um carinho e recebi uma pedrada de volta”. Obviamente, quem chega com tal demanda costuma se perceber frustrado com a reação do outro diante das tentativas de superar os dilemas da relação. Afinal muitos acreditam piamente que um gesto de “carinho” seria suficiente para dissolver qualquer mal-estar ocorrido entre o casal. Por isso, em situações desse tipo, costumo propor o exercício da empatia. Isto é, levar uma parte a se colocar no lugar da outra. Desse modo, as questões são vistas pelo prisma do outro, facilitando a percepção e a constatação de que nada substitui um gesto empático e de responsabilidade afetiva, preferencialmente acompanhado de um genuíno pedido de desculpas.

Em conclusão, fica evidente que falta empatia e responsabilidade afetiva entre os casais. Assim sendo, superar essa questão é, sem dúvidas, um caminho possível para mitigar os conflitos dos relacionamentos. Por isso, compreender esse dilema é fundamental para que feridas abertas não sejam ainda mais ultrajadas por carinhos frios, pouco empáticos e espinhosos. Afinal, como canta Bethânia, “o coração perdoa, mas não esquece à toa”. Razão pela qual afirmo e afianço que “em feridas abertas até carinho machuca”.

Elídio Almeida

Psicólogo em Salvador, formado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e especializado em Terapia de Casal e Relacionamentos (CRP). Possui também pós-graduação em Psicologia Clínica pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Dedica-se à prática clínica, oferecendo acompanhamento terapêutico a casais, famílias e atendimento individual para adultos. Além disso, ministra cursos e palestras na área.

Deixe uma resposta