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Usuário, viciado ou dependente? Desde a primeira semana de janeiro de 2012, Salvador e outras cidades da Bahia foram tomadas pela nova campanha contra o uso de drogas promovida pelo governo do Estado. As peças publicitárias espalhadas pelas cidades, em várias mídias, como outdoors, TV, rádio e cartazes, trazem artistas e personalidades baianas que se colocam na condição de dependentes, usuários ou viciados. Porém, ao contrário da associação comumente relacionada a estas palavras, nenhum deles depende das drogas, mas sim de ALEGRIA, SUCESSO, CARNAVAL, DENDÊ, VITÓRIAS, PAGODE, MÚSICA…
dependente de drogas psicólogo em salvador
Bem melhor que a campanha passada (2011), severamente criticada e retirada de circulação, onde o slogan da dizia: “Crack é cadeia ou caixão”. O governo parece ter aprendido que não é com meios coercitivos que se aborda a questão da dependência.
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Pensar em “Cadeia ou Caixão” é desconsiderar que drogas – seja na condição de usuário, viciado ou dependente – é um problema de saúde. E muito mais eficaz que a coerção, são outras alternativas que devem ser pensadas, a exemplo da informação e do tratamento. Ainda assim, a campanha de 2012 merece uma reflexão.

Usuário, viciado ou dependente?

A campanha foi bastante impactante. Começou com um teaser que foi veiculado em placas de outdoor que traziam apenas a imagem dos artistas e personalidade acompanhados das palavras: “usuário, viciado ou dependente”. Depois de uma semana, a segunda etapa, revelou-se tratar de usuários, viciados e dependentes de: carnaval, livros, vitórias, alegria, dendê, pagode… O sucesso foi tamanho que provocou nas redes sociais paródias em relação a políticos e congêneres.
Mas a pergunta que não quer calar é: “Existe algum tipo de vício ou dependência que não seja maligno?”
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a dependência é uma doença. Doença é a perda total ou parcial da capacidade de escolha em algum aspecto humano. Neste sentido, podemos dizer que o dependente (assim como o usuário ou o viciado) é escravo dos seus desejos e pensa que não é possível viver sem tais estímulos.  A sociedade Americana de Medicina de Adicção define a dependência como uma doença crônica, primária, cujo desenvolvimento e manifestação são influenciados por fatores genéticos, psicossociais e ambientais. A doença é frequentemente progressiva, caracterizada por contínua e periódica perda de controle.
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Sendo assim, seria correto considerar que quando uma pessoa que é dependente de CARNAVAL, VITÓRIAS, PAGODE… também não tem controle sobre seus desejos? Creio que sim. Não ter controle sobre seus comportamentos é considerado pela psicologia como compulsão. Ou seja, são comportamentos que, a priori, trazem algum tipo de satisfação ou prazer e são guiados pelas obsessões ou pensamentos. Mas, dada a repetição e a perda do controle sobre a ação, a pessoa não pensa ou visualiza as consequências dos comportamentos. E a busca pela satisfação do vício ou da dependência torna-se tão imperativa que a pessoa perde o controle. No início, essas pessoas são guiadas pelo prazer do comportamento. Com o tempo, porém, o que era apenas prazeroso torna-se uma obrigação.
Por isso, parece que a campanha publicitária do Governo do Estado propõe a troca de seis por meia dúzia. Coloca aspectos usuais do cotidiano de muitas pessoas na mesma categoria que o crack, a cocaína, o cigarro, o álcool… Se todos esses estímulos podem tornar uma pessoa viciada ou dependente, certamente ela pode fazer tudo para satisfazer tais dependências e vícios, inclusive coisas ilícitas. O erro da campanha é, inconscientemente, desviar o foco de uma dependência ilícita e focar noutra que em médio ou longo prazo pode trazer os mesmos transtornos, só que mais sutis e socialmente aceitos e valorizados.
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Parece que um dos grandes temores das pessoas que convivem com viciados em drogas, sobretudo na família, é que essa pessoa possa chegar ao ponto de atentar contra si e contra outras pessoas para sustentar seu vício. Ou até mesmo negligenciar sua própria vida para manter a dependência. Mas o que dizer de comportamentos como: roubar dinheiro dos pais para comprar o mais novo CD de sua banda favorita?
Seria um vício que poderia ser comparado com um roubo dessa categoria para comprar um cigarro de maconha? Certamente, você deve estar pensando que não, mas e quais seriam as consequências disso a longo prazo? E economizar ou até mesmo deixar de se alimentar para comprar o abadá de um bloco famoso do carnaval do qual a pessoa é dependente? O que uma pessoa é capaz de fazer para atender seus desejos? Será que esses comportamentos não seriam semelhantes aos de pessoas usuárias, viciadas ou dependentes de drogas? Há algo saudável nisso?

Elídio Almeida

Psicólogo em Salvador, formado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e especializado em Terapia de Casal e Relacionamentos (CRP). Possui também pós-graduação em Psicologia Clínica pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Dedica-se à prática clínica, oferecendo acompanhamento terapêutico a casais, famílias e atendimento individual para adultos. Além disso, ministra cursos e palestras na área.

2 Comments

  • Zazo Guerrao disse:

    Muito bem pensado, Elídio. Você tirou desse contexto aparentemente inofensivo uma observação super pertinente e real. Tenho um amigo que parou um tratamento sério de saúde pra comprar ingressos pra camarotes. E uma outra colocou a filha em uma escola mais barata, e notadamente de menos recursos educacionais, pra juntar dinheiro pra viajar atrás de um grupo musical do qual era fã nos anos 90.

  • Obrigado Zazo Guerra! Acho que a população precisa ficar mais atenta e ser mais parcimoniosa em relação às entrelinhas dessa e de tantas outras campanhas publicitária que temos em nosso país. Um abraço.

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