Muitas pessoas fazem tanta coisa para conseguir um relacionamento que pode acabar se envolvendo num amor doentio.
“É justamente a possibilidade de realizar um sonho que torna a vida mais interessante.”
Paulo Coelho, em O Alquimista.
A célebre frase acima do escritor Paulo Coelho tem me impressionado em função de como as pessoas se identificam com a ideia que ela parece traduzir, que é a importância de um sonho como elemento de motivação à vida.
Falando em motivações, certamente você deve conhecer a famosa Teoria das Necessidades de Maslow e a, igualmente famosa, pirâmide dessa teoria proposta pelo autor. Pois bem, logo que comecei a estudar psicologia e os comportamos humanos, fui apresentado às ideias e proposições de Maslow. No início até achei legal, porém, outros estudos mais específicos me mostraram novas perspectivas mais adequadas à compreensão da subjetividade e das motivações humanas.
Por tudo isso, no post de hoje, resolvi escrever sobre um dos maiores desejos e motivações da atualidade: obter sucesso no relacionamento amoroso.
Sim! Obter sucesso no relacionamento parece ser um grande motivador e meta para muitas pessoas. Por exemplo, nos primeiros dias do ano assisti a um programa de televisão que entrevistou cerca de uma dúzia de pessoas, questionando sobre os desejos e objetivos delas para 2015. Mais da metade dos entrevistados afirmaram que no ano novo gostariam de ter um novo relacionamento, conseguir um namorado ou namorada, casar, formar família, dentre outras menções à relacionamentos.
Mas por que as pessoas querem tanto um relacionamento?
O que motiva alguém a investir tanto – inclusive obsessivamente – numa relação? Qual seria o limite para esses comportamentos?
As respostas para os questionamentos ou as motivações que levam uma pessoa a colocar o sucesso ou a manutenção de uma relação acima de qualquer coisa são bastante amplas e vão variar de pessoa para pessoa, de relação para relação. Independente desses fatores, podemos conjecturar algumas hipóteses e entendimentos, a partir da história de quem vive uma relação desse tipo e com essas funções.
Para isso, como ponto de partida, devemos ter em vista que carregamos conosco, em nosso dia a dia e em nossas expectativas de vida, as marcas da nossa trajetória pessoal.
Desde que somos gerados (e em cada momento de nossa existência), vivemos e integramos incontáveis tipos de relações: pai-mãe-irmãos-vizinhos-colegas-amigos-professores-chefes-atendentes-vendedores-afetivas-amorosas etc., em todas elas ficamos expostos a expectativas e frustrações.
Nesses contextos, as relações emocionais podem se tornar tão intensas a ponto de desenvolvermos e projetarmos nossas fragilidades e expectativas no outro ou na relação com o outro. Por exemplo, a pessoa que teve uma relação frustrada com o pai ou com a mãe, busca projetar ou compensar isso em uma relação afetiva ou até mesmo na criação dos filhos.
Quando as coisas tomam esse rumo e a relação “afetiva” muda de propósitos ou motivações, descaracterizando a vida amorosa e afetiva, a pessoa apaixonada tende a tratar e lidar com seu parceiro ou parceira – primordial ou exclusivamente – em função daquele papel idealizado e projetado, ou seja, ela desenvolve uma relação de dependência para com a outra pessoa e acredita que esta lhe deve obrigações, satisfação e deferência.
Tentar ter o controle exclusivo, dominar e criar situações para que o outro realize uma expectativa ou frustrações do seu passado, acaba sendo a principal motivação e projeto de vida de quem tem o amor doentio, amam demais e não reconhecem limites para construir e manter um relacionamento.
“Esta pessoa pode até continuar dando o nome de amor para o que sente pelo outro, pode até achar que ama demais, mas na verdade já deixou de ser amor no momento que a dependência foi iniciada. Amor significa troca saudável entre duas pessoas, quando uma passa a se comportar de forma a prejudicar o outro, na verdade, há uma confusão de sentimentos, mas com certeza não se trata de amor”.
Lá em cima, quando falei que a teoria de Maslow não é a mais adequada para entendermos a motivação e subjetividade humana é por fatores como o amor doentio que estamos analisando neste post. Para Maslow, toda pessoa possui necessidades que obedecem a uma hierarquia de importância dividida em cinco níveis: no primeiro nível encontram-se as necessidades fisiológicas (como comer, dormir etc.); no segundo nível encontram-se as necessidades de segurança; no terceiro, as necessidades sociais (como se sentir parte de um grupo); no quarto nível estão às necessidades de autoestima; e, no quinto e último nível, as necessidades de autorrealização.
Observe que, para o autor, cada um de nós nos comportamos para satisfazer as nossas necessidades de acordo com uma hierarquia de importância. Pena que o famoso psicólogo não tenha considerado que cada um de nós somos diferentes, pensamos e agimos de maneiras distintas e, obviamente, estabeleceremos nossa necessidade de autorrealização de forma não necessariamente semelhante aos demais.
Você, por exemplo, deve conhecer alguém que faria tudo (tudo mesmo) pelo amor de outro ou para manter um relacionamento, não é mesmo? Para pessoas assim, pouco importa suas necessidades de nível 1, 2, 3 e 4. Ela só se sentirá autorrealizada se tiver sucesso no relacionamento amoroso.
Um cara que pensa mais ou menos assim é o psicólogo Victor Vroom, autor da Teoria das Expectativas, uma das muitas teorias que procuram explicar as motivações humanas. Para Vroom, os desejos individuais podem ser classificados em nível de importância (que ele chamou de “valência”), representando o quanto aquele desejo pode ou não influir na motivação da pessoa de acordo com a importância que aquilo tem para ela. Exatamente como estamos discutindo os casos de amor doentio. Por exemplo: J. deseja ter uma namorada e isso foi classificado como altamente importante, imprescindível à sua existência. A partir daí, J. se sentirá motivado para tudo que represente a aproximação ou possibilidade de realizar esse desejo, ainda que em detrimento de outros aspectos tido por outros como fundamentais. E nesse ponto que está o perigo.
O amor doentio pode esconder um transtorno mental.
A pessoa que se torna obsessiva não consegue compreender sozinha as relações entre todos esses elementos. Muitas vezes até percebe uma intensificação de sentimentos, mas acredita que se trata de uma paixão intensa ou muito amor.
Como falei anteriormente, pode até acreditar que o outro deva ser grato ao “amor”, “cuidado” e “dedicação” e que este teria a obrigação de corresponder a altura de tamanha emoção. Mas o que ela acredita que seria dedicação, na verdade, pode ser um transtorno mental ou transtornos psicológicos do tipo obsessivo, TOC ou personalidade dependente.
É evidente que as pessoas que estão envolvidas em relações assim sofrem muito. Aquele que tem o amor doentio e não reconhece limites para manter o relacionamento sofre de forma velada e não percebe as reais causas. A pessoa sofre, não pelos motivos que acredita ou normalmente costuma expressar, se vitimizando nas situações: ele não atende minhas ligações, não responde minhas mensagens, não me dá atenção… Da mesma maneira, a solução dos seus sofrimentos não seria o que ela gostaria (manter o outro a seu lado e sobre seu controle, realizando seus desejos frustrados do passado), isso porque sua percepção está tão contaminada pela obsessão que ela tem dificuldade para compreender e lidar com a realidade.
Enquanto o detentor do amor doentio não encontrar os limites para seus desejos, frustrações e expectativas nos relacionamentos, exigirá correspondência da outra parte na mesma intensidade que ela. Como isso quase sempre não acontece, é fundamental que a pessoa (ou o casal) procure ajuda profissional e entre em tratamento psicológico, pois, com o empenho e o investimento adequado, é possível superar estas dificuldades e a relação amorosa pode voltar a ter uma forma saudável.
A psicoterapia comportamental ajudará a identificar suas fragilidades emocionais, quando isto começou e, principalmente, o que tem mantido e quais as possibilidades de superação. A psicoterapia também é um espaço para se desenvolver novos comportamentos e novas formas de enxergar e lidar com os fenômenos das relações e da vida como um todo.
Em meu consultório, as sessões de psicoterapia acontecem uma vez por semana e nos primeiras sessões dedico a conhecer o caso, procuro entender o que realmente se passa e também utilizo técnicas de forma a reestruturar os pensamentos da pessoa que tem o amor doentio ou do casal que convive com esse tipo de amor e situação. Dessa forma, tenho verificado que a psicoterapia tem ajudado as pessoas a identificar formas mais sensatas, adequadas e adaptativas de lidar com os outros, com as relações e com os contextos mais complexos da vida.
Gostei bastante do assunto, não tinha ideia que o relacionamento obsessivo era dessa forma, tinha outra visão, na verdade pensava mais como um relacionamento violento.
Valeu
Olá Thaty!
Obrigado pela participação. Pois bem, o relacionamento obsessivo possui muitas formas para a tentativa de controle, por vezes pode ser de forma mais violenta e agressiva, mas, em sua grande maioria, é sutil e silenciosa.
Muito bom o texto.Tenho percebido que muitas pessoas estam sofrendo de amor compulsivo.Os numeros sao assustadores.Pessoas que insistentemente lutam para manter o relacionamento e ate atentam contra a propria vida,podem ser consideradas portadoras dessa doença?E como fica o parceiro?o sofrimento tb deve ser intenso.
Que tal escrever também um texto sobre o parceiro de pessoas que tem amor obsessivo? Com a vasta experiência do Dr. tenho certeza que daria mais um belíssimo texto.
Olá Michele, obrigado pela participação. Excelente sugestão! Vou me programar e tão logo seja possível escreverei e postarei seu pedido aqui no blog.