Toda atividade profissional deve ser guiada por uma norma de conduta ética. Na Psicologia, esse princípio é sistematizado por meio do “Código de Ética Profissional do Psicólogo“. Esse documento estabelece as diretrizes para o exercício profissional do psicólogo em seus vários âmbitos de atuação. No entanto, devido à dinâmica das constantes mudanças na sociedade, há situações que não são especificamente contempladas por esse “manual”. Por exemplo, não existe clareza quanto à especificidade da conduta desse profissional na interação com seus pacientes por meio das redes sociais. Esse é um fenômeno relativamente recente. De maneira similar, é comum psicólogos e pacientes estarem imersos em redes sociais populares como: Facebook, Instagram ou Twitter. Não por acaso, corriqueiramente surge o dilema: por que meu psicólogo não me segue nas redes sociais? Assim, é fundamental refletir sobre esse tema.
Nesse contexto pós-moderno, o relatório Digital in 2019, apontou que 66% da população brasileira é usuária das redes sociais! Essa alarmante porcentagem representa mais de 140 milhões de usuários ativos no país. Consequentemente, empresas, profissionais liberais e, claro, aqueles que são atendidos por eles, estão presentes nas redes sociais. Contudo, por ainda ser um modelo de relação relativamente novo, sempre surgem dúvidas quanto a essa interação. Isso ocorre mesmo quando esta ligação é pautada por algum critério ético.
“Meu psicólogo não me segue nas redes sociais”
Tal premissa tem sido uma observação que tenho ouvido muito em meu consultório. Como todos sabem, tenho contas profissionais nas seguintes redes sociais: Facebook, Twitter e Instagram. Desse modo, alguns pacientes que seguem esses perfis sentem-se desprestigiados ou abandonados pelo fato que não os “sigo de volta” nessas redes sociais, especialmente no Instagram. Sempre que possível, procuro explicar a razão pela qual adoto esta conduta. Entretanto, imagino que esse deve ser um questionamento de outros pacientes. Justamente por isso, optei por fazer esse esclarecimento também aqui no blog.
Então, conforme demonstrei acima, não existe uma regra nítida quanto a esse tema. Ou seja, o Código de Ética do Psicólogo não prevê especificamente essa situação. No entanto, existe recomendação para casos relativamente novos como esse. Isto é: o psicólogo deve portar-se de forma crítica e com profissionalismo. Dito de outro modo, o psicólogo precisa avaliar com prudência os impactos de suas ações. Tudo isso de modo a beneficiar o paciente, bem como promover o zelo pela profissão. Afinal, o próprio referencial de conduta diz:
um código de ética não pode ser visto como um conjunto fixo de normas e imutável no tempo. As sociedades mudam, as profissões transformam-se e isso exige, também, uma reflexão contínua sobre o próprio código de ética que nos orienta.
Cada um faz aquilo que acha certo
Justamente por não haver critérios claros para essa questão contemporânea acerca da razão pela qual alguns psicólogos não seguem seus pacientes nas redes sociais que cada um faz aquilo que considera adequado. No meu caso, diante de situações e questionamentos como esse, sempre parto das seguintes premissas:
- Primeiramente, considero quão relevante terapeuticamente seria um “seguir de volta” para o tratamento do paciente. Até hoje, isso não se mostrou imprescindível.
- Ademais, tenho em vista o princípio fundamental de que minha relação com meus pacientes é profissional. Muito embora eu mantenha uma relação amistosa e nutro um carinho muito especial por cada um deles, isso não faz de mim um amigo.
- Por fim, opto por dar essa privacidade aos meus pacientes. Entendo que eles têm o direito de eleger aquilo que querem partilhar comigo. As sessões de psicoterapia servem também a este propósito. Afinal, durante o processo terapêutico já participo de tantas intimidades da vida destas pessoas, de modo que não seria razoável extrapolar os limites dessa relação.
Relação profissional e humana: a ética entre psicólogo e paciente
Resumidamente, o bom senso deve imperar na relação entre os envolvidos (paciente e psicólogo). Muito embora haja lacunas nas leis que regem tais condutas profissionais, é sempre importante contextualizar estes preceitos. Afinal, a sociedade é dinâmica e cada caso tem sua relevância. Nesse viés, nada deve ser excessivamente rígido. Igualmente, as condutas devem lidar de forma responsável com a particularidade das pessoas, da profissão e do elo entre essas partes.
Ao considerar que a relação terapêutica deve se ater ao consultório, não há, em tese, justificativa plausível para bisbilhotar a intimidade ou fazer um monitoramento full time na vida particular dos pacientes. Obviamente, que sou grato pelo prestígio de ter meus pacientes e ex-pacientes acompanhando um pouco do meu trabalho nas redes sociais. Contudo, opto por não segui-los, ao não ser, que isso se mostre relevante no que tange à questão terapêutica.
Em contrapartida, cabe destacar que, ao longo de todos esses anos que exerço a carreira clínica, raramente precisei utilizar de expedientes dessa categoria. Mas, claro, já houve exceções!
E festa de aniversário, pode?
Seguindo o raciocínio, recordo de uma exceção. Numa fase terapêutica na qual buscava encorajar um paciente a ampliar seus relacionamentos sociais, algo inusitado aconteceu. Numa sessão, ao incentivá-lo a reunir pessoas próximas, além dos seus pais, para sua festa de aniversário, ele afirmou que dificilmente alguém aceitaria ao seu convite. Ou seja, foi resistente. Assim, ao me posicionar de forma contrária, o jovem foi muito ágil e sagaz: “Então você é meu primeiro convidado para essa festa“. Tal comportamento – clinicamente relevante – me deixou bastante feliz e orgulhoso. Com isto, minha resposta, entendendo a importância terapêutica daquele convite, não poderia ser outra: “sim“. Assim, situação semelhante acontecendo no tocante às redes sociais, obviamente procuraria atender.
Em suma, parafraseando Skinner, o psicólogo tem por desafio compreender que a relação paciente-profissional refere-se, além de tudo, de uma relação humana. Independe se ela ocorra nas redes sociais, durante a terapia ou em situações externas ao consultório. Dessa maneira, cabe ao profissional eleger a conduta mais adequada para cada situação. Seja como for, importante é compreender e contextualizar o motivo. Afinal, uma relação com tamanhas especificidades não deve seguir o padrão do SVD (sigo de volta), trivialmente utilizado nas redes sociais.
Olá! E quando acontece o contrário?
Minha psicóloga pediu para me seguir no Instagram. Senti um certo desconforto mas não sei exatamente o porquê então vim pesquisar e achei seu texto.
Acho que é o “medo” de ser constantemente julgada e avaliada por ela. Mas também não quero só aceitá-la só por educação.
Olá Amanda! Então, como eu disse no texto, não há uma regra quanto a essa questão. Ou seja, varia de acordo com cada profissional que deve usar o bom senso em tal situação. Obviamente sua rede social é seu campo de vida privada e não é legal aceitar pessoas nesse ciclo “por educação”, sem que você esteja à vontade. Porém, perceba como você refere a relação com sua psicóloga: “medo de ser constantemente julgada”. Se é assim que você se sente em relação a ela, acredito que valha a pena vocês conversarem sobre esses seu sentimentos, inclusive, sobre seu desconforto com o convite à rede social. Obrigado pela visita ao meu site e pela participação.