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Nos últimos tempos, tem se tornado cada vez mais comum ver, nas redes sociais, vídeos de casais sendo entrevistados em ruas ou festas, compartilhando detalhes sobre seus acordos e dinâmicas conjugais. São muitos os exemplos. Dia desses, chegou até mim um desses vídeos em que um casal relatou que, para eles, é perfeitamente normal que ela fique com outros homens e que ele também se relacione com outras mulheres — ou até com outros homens. No entanto, ambos concordam que há um limite inegociável: beijar na boca de outra pessoa é traição. Ou seja, nas regras do casal, envolvimentos sexuais com terceiros são aceitos, mas o beijo não.

Isso está certo ou errado? Para eles e seus respectivos parceiros eventuais, tudo está claro e combinado. E isso deveria bastar. Mas, ao ler os comentários do vídeo, o que encontrei foi uma enxurrada de críticas: condenações, deboches, juízos morais… um verdadeiro linchamento simbólico.

Para mim, enquanto psicólogo especializado em relacionamentos, esse tipo de reação revela mais sobre quem julga do que sobre quem é julgado. Talvez o que incomode nesses casos atípicos não seja o conteúdo do acordo, mas o fato de um casal exercer a liberdade de construir suas próprias regras, sem pedir a aprovação de ninguém. Por outro lado, há pessoas que tem questões no seu convívio amoroso, mas que age de modo a condenar os relacionamentos alheios, como se isso tornasse seu relacionamento melhor. Isso, sem dúvidas, diz muito sobre a forma como, socialmente, nos relacionamos com o amor e a intimidade dos outros? Afinal, cada casal tem o direito de definir suas próprias regras. E isso, por mais que choque alguns, não precisa agradar a ninguém além do próprio casal.

Mas vamos refletir um pouco mais sobre essa questão?

O que vale para um casal não precisa fazer sentido para os outros

Quando um casal decide construir um relacionamento, naturalmente busca estabelecer seus próprios acordos, seja sobre fidelidade, convivência, finanças ou até o o modo como vão criar seus filhos. No entanto, é comum que surjam olhares críticos e julgamentos acerca daquilo que diz respeito apenas ao casal. Isso ocorre porque, para muitas pessoas, tudo o que foge ao senso comum é visto com desdém, como se só houvesse uma forma legítima e certa de amar, conviver e se relacionar.

Há, portanto, uma expectativa social de que todos os casais sigam o mesmo roteiro e padrão. Isso não é apenas injusto, como também irreal. Afinal, as pessoas são diferentes e nenhuma relação nasce pronta. Ou seja, cada casal precisa criar, ajustar e renegociar seus próprios acordos, de acordo com sua história, seus limites, suas necessidades e desejos. E isso não precisa — nem deve — passar pelo crivo da aprovação pública de ninguém. Por isso que casos como o vídeo citei acima chocam e causam tamanho rebuliço, pois quebram a expectativa acerca das regras do casal impostas pela maioria social.

Talvez o problema esteja em você ou no seu relacionamento

Por outro lado, em muitos casos, a condenação dos relacionamentos e práticas alheias revela mais sobre quem critica do que sobre quem é criticado. Isso porque aquilo que funciona para um casal pode parecer absurdo para outro. E, diante desse incômodo, as pessoas raramente se perguntam o motivo de tanta inquietação. Em vez disso, preferem condenar, ridicularizar, desqualificar ou tentar destruir a relação do outro.

É por isso que penso: ninguém — absolutamente ninguém — tem algo a ver com as escolhas e vivências íntimas dos outros. Afinal, qual é o crime que um casal que foge ao convencional comete ao decidir trocar de parceiro? Nenhum. Ainda assim, uma legião de pessoas considera normal apontar o dedo e condenar uma prática que não interfere em absolutamente nada na vida alheia.

Talvez falte a essas pessoas compreender que a diversidade de arranjos afetivos é um reflexo direto da diversidade humana. Logo, criticar ou ridicularizar a dinâmica de outros casais, simplesmente porque ela é diferente, não diz nada sobre o relacionamento deles, mas diz muito sobre quem aponta o dedo para condenar. Por isso, destaco que a verdade é que, por trás desse impulso de reprovação, muitas vezes está o desconforto de quem nunca se permitiu pensar fora da caixinha. E, mais do que isso: de quem talvez precise refletir, com mais honestidade, sobre os próprios limites, inseguranças e contradições afetivas.

Casal brasileiro sorrindo em casa, sentados no sofá, representando intimidade e autonomia na construção de suas próprias regras afetivas.
“A intimidade de um casal é construída a partir dos acordos que fazem sentido para eles — e não para quem está de fora.”
— Elídio Almeida, psicólogo e terapeuta de casal em Salvador

Apontar o dedo para fora é mais fácil do que olhar para dentro

É preciso reconhecer: muitas pessoas julgam o relacionamento dos outros como uma tentativa inconsciente de amenizar as dores e frustrações que enfrentam no próprio relacionamento.

Quando alguém critica um casal por ser “liberal demais”, “estranho“, “careta demais” ou “diverso demais”, talvez esteja expressando, sem perceber, o desconforto que sente ao viver uma relação sem afeto, sem liberdade ou sem intimidade. Como já dizia o filósofo francês Michel de Montaigne, “cada qual considera bárbaro aquilo que não se pratica em sua terra”. Ou seja, muitas vezes as pessoas consideram errado o que simplesmente é diferente do que vivem, como se só o que elas fazem fosse certo, e tudo o que foge disso, um desvio. Geralmente isso é um gesto de hipocrisia. Além disso, essa lógica é não apenas infundada, mas também reveladora: quem sente necessidade de diminuir o outro para validar o próprio modo de se relacionar, provavelmente ainda não se sente seguro com suas escolhas. Julgar o outro pode parecer confortável, mas não cura os conflitos internos — só os afasta da solução.

Toda relação tem problemas

Toda relação tem problemas. O que muda é como o casal escolhe lidar com eles. Digo isso coma tranquilidade da minha trajetória como psicólogo clínico, especializado em relacionamentos. Portando, não existe relacionamento perfeito e toda relação enfrenta desafios, divergências, inseguranças e dores. E é justamente por isso que cada casal precisa construir uma dinâmica que contemple sua própria realidade. Ou seja, não vale a pena investir num modelo socialmente imposto apenas para ser aceito ou esteticamente bonito aos olhos dos outros.

No entanto, muitas pessoas tentam amenizar as questões vivenciadas em seus relacionamentos condenando o modo como as outras pessoas vivem suas experiencias amorosas, sexuais e sentimentais. Por isso, há muita gente que deixa de olhar para as questões da própria relação para, ironicamente, legislar sobre a relação alheia.

Inclusive, nunca é demais lembrar: cada casal tem o direito de construir seus próprios acordos. E isso não exige o selo de aprovação de ninguém. É por isso que, no meu trabalho como psicólogo e terapeuta de casal, procuro ajudar cada pessoa a compreender melhor o próprio relacionamento e, principalmente, a si mesma dentro dessa convivência. Isso é muito mais útil para construir bem-estar pessoal e conjugal do que a prática, tão comum hoje em dia, de julgar, criticar e condenar os relacionamentos dos outros.

Aliás, quem vive essas relações diversas — e escolhe compartilhá-las nas redes ou na vida real — provavelmente está muito mais bem resolvido do que aqueles que gastam tempo comentando com desdém aquilo que diz respeito exclusivamente ao outro… são regras dos outros. Portanto, se algo no relacionamento dos outros te incomoda tanto, talvez a pergunta mais honesta não seja “por que eles vivem assim?”, mas sim: “por que isso me afeta tanto?”

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Agora quero saber sua opinião: você acredita que cada casal pode — ou deve — definir suas próprias regras, mesmo que isso fuja do senso comum? Já viveu ou conhece alguém que enfrentou críticas por ter um relacionamento fora dos padrões tradicionais?

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O segredo, se é que existe, está no diálogo franco, respeitoso e contínuo. Conhecer os próprios limites, escutar as necessidades do outro, ajustar expectativas e, quando necessário, contar com a ajuda de um profissional.

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