“ A suspeita sempre persegue a consciência culpada;
o ladrão vê em cada sombra um policial”William Shakespeare
Há várias classificações e definições para o ciúme. A maioria delas dizem que o ciúme é um comportamento produzido pela falta de exclusividade do sentimento e também é uma manifestação provocada pela falta de confiança no sentimento do outro, que é transformada em medo de perder o parceiro ou a parceira na relação amorosa.
O ciúme também está associado ao egoísmo (desejo que a pessoa amada não se relacione de forma alguma com outras pessoas) ou controle excessivo com suspeitas constantes de infidelidade. O ciúme pode transformar-se em obsessão ou um transtorno mental, além de estar intimamente ligado à inveja, pois produz desgosto em razão do ciumento ou ciumenta não possuir algo que pertence a outra pessoa. Até aqui nenhuma novidade ao que sabemos sobre o ciúme.
Todavia, há quem diga que o ciúme pode ter – além desse caráter negativo anteriormente apresentado – também uma vertente positiva e benéfica aos relacionamentos. Para os que têm essa visão positiva em relação ao ciúme, acreditam que quando o ciúme está presente em um relacionamento isso pode significar um sentimento de cuidado ou zelo por alguém, que simboliza dedicação e cuidado à pessoa de quem se gosta, podendo até “apimentar” e enriquecer o relacionamento. Mesmo que você tenda a concordar com essa visão benéfica do ciúme no relacionamento, saiba que, como estudioso do tema e em toda minha trajetória como terapeuta de casais, nunca vi sequer um caso no qual o ciúme tenha trazido benefícios para o relacionamento.
Marido ciumento?
Há mais de quatro séculos, William Shakespeare tratou em uma de suas obras mais populares – Otelo, o mouro de Veneza – de algo que ele chamou de “doença da suspeita”. Na peça, o marido nutre uma desconfiança e acredita que sua mulher mantinha relacionamento com um rapaz mais jovem. Não obstante, o marido creditava ter encontrado provas da traição em fatos triviais do cotidiano e apegava-se a estes elementos para decidir sobre o futuro da sua esposa e da relação. O escritor referia-se ao ciúme quando dizia “doença da suspeita”. Em outras palavras, Shakespeare usou uma metáfora sobre a cegueira induzida pelo sentimento pra ilustrar como o ciúme nos leva a antecipar como provável ou certo, o que apenas seria possível de acontecer. E é exatamente dessa forma que muitos ciumentos e ciumentas se comportam cotidianamente em seus seus relacionamentos: tratam como certo aquilo que, muitas vezes, pertence apenas ao campo das probabilidades.
Possessivo
Obviamente muitos comportamentos ciumentos são pautados em históricos de traições no relacionamento atual, traumas de relacionamentos anteriores ou mesmo o temor de que tais situações trágicas venham acontecer e prejudicar o relacionamento, mesmo que ainda não tenha havido nada relevante.
É como se as pessoas, mesmo se pautando no gostar e no querer bem ao amado ou amada, trouxessem para o relacionamento um sentimento que está ligado à inveja, posse, exclusividade (no sentido mais amplo da palavra), medo, falta de confiança, insegurança… Ou seja, muitas associações negativas e ruins que podemos prever que toda essa mistura jamais pode ser benéfica a qualquer tipo de relacionamento.
Crise no namoro por ciúmes
Pelo medo de perder, algumas pessoas investem no ciúme, pois, acreditam que com o ciúme passam a tratar melhor o namorado ou namorada (mais cuidadosos e atenciosos), implementando uma marcação cerrada para não abrir brechas. E tudo mais gira em torno das tentativas de controle sobre a namorada ou namorada.
Porém, como Shakespeare classificou, o ciúme é uma doença que deixa a pessoa cega, tão cega que faz com que ela até utilize um método que poderia ser adequado (carinho, cuidado, tratamento melhor), o qual sabemos ser saudável e salutar ao relacionamento, com um intuito extremamente inadequado que é o de ter posse e tentar controlar o parceiro ou parceira. E é justamente por investir inadequadamente na relação que você pode desenvolver não só quadros de insegurança, baixa autoestima, ansiedade, como também pode atingir o nível de ciúme patológico.
Vale considerar que no relacionamento amoroso é natural sentir ansiedade ao perceber que algo ou alguém pode reduzir o espaço afetivo que ocupamos na vida da pessoa com quem nos relacionamos. Por isso, você deve ter bem trabalhado em si o seu limiar de ansiedade normal e patológica e também a consciência e controle sobre o ciúme normal e o ciúme patológico.
Ser ciumento é normal?
É importante destacar que ciúme normal não é sinônimo de ciúme bom. O ciúme normal é aquele em que, estando você diante de uma ameaça real ao relacionamento, um fator real de insegurança ou desconfiança do seu parceiro ou parceira, você consegue ter controle emocional para lidar com a questão e ter atitudes suficientemente adequadas, ponderando os fatos, impressões e posicionando-se de forma segura. Em outras palavras, o ciúme normal é aquele transitório e se baseia em ameaças e fatos reais e são tratados de forma pontual e não cumulativa, no qual você resolve ou supera a situação e não vai transformar sua vida e a do seu cônjuge em um inferno. O ciúme normal não limita as atividades cotidianas, nem interfere – direta ou indiretamente – na vida de quem sente ou é alvo de ciúme. Uma dica para saber se o ciúme é considerado normal, é perceber se ele tende a desaparecer diante das evidências e constatações de fatos anteriormente nebulosos. Se você não consegue ultrapassar os episódios de ciúmes em sua vida, pode ser que você esteja vivendo um ciúme patológico.
Em todos os casos você precisa considerar que o ciúme extrapola as fronteiras do normal quando se torna uma preocupação constante e geralmente infundada, associada a comportamentos inaceitáveis ou extravagantes, motivados pela ansiedade de tirar a limpo a infidelidade do parceiro ou da parceira, sendo ela real ou hipotetizada.
No ciúme patológico (ou excessivo), o medo de perder a pessoa amada vem acompanhado de emoções específicas – raiva, medo, tristeza, ansiedade – e pensamentos irracionais. “Será que ele/ela está me traindo?”. Essa por exemplo, é uma pergunta frequente e geralmente reflete um pensamento muito frequente das pessoas ciumentas.
Nesse nível, qualquer comportamento que não seja minimamente esclarecido ou qualquer coisa que o outro faça sem sua participação ou controle, gera um grande tormento que se expande e tende a afetar drasticamente o relacionamento. Nesse contexto, sempre há prejuízos para quem sente, para quem é alvo e para o relacionamento. Essa, entre outras razões, pode demonstrar como o ciúme nunca faz bem ao relacionamento.
Não raro, os pensamentos irracionais de ciúme se traduzem em comportamentos compulsivos, sustentados pela ilusão de que é possível controlar tudo o que o parceiro faz ou sente, como verificar agendas, registro de ligações no celular, seguir o parceiro, conseguir senha de acesso ao e-mail, checar faturas de cartão de crédito e fazer visitas-surpresa para confirmar suspeitas. Muitas vezes as preocupações são acompanhadas por sintomas físicos, como sudorese, taquicardia, alterações no apetite e insônia.
Uma das características mais comuns da pessoa excessivamente ciumenta é a baixa autoestima. Isto é, ela não acredita que tem valor e que pode ser traída a qualquer momento. E a tudo isso soma-se ainda fatores como a insegurança, o medo, a instabilidade comportamental e a própria desorganização emocional.
O ciúme patológico é um traço frequente de outro quadro: o amor patológico, com características semelhantes à dependência química. Ele ocorre quando o comportamento saudável de atenção e cuidado para com o parceiro ou parceira, característico do amor, começa a ocorrer de maneira repetitiva e frequente com intuitos desvirtuados do esperado para uma relação minimamente sadia. A pessoa se ocupa do outro mais do que gostaria e abandona interesses e atividades que antes valorizava, inclusive a si própria. O ciúme patológico e amor patológico compreendem medo intenso da perda, baixa autoestima e insegurança emocional.
Se você convive de forma anormal com o ciúme, procure o quanto antes um tratamento para essa questão e invista em você e no seu relacionamento. Com a Terapia Comportamental você poderá, além de encontrar um espaço terapêutico adequado para lidar com ciúme, tratar de várias comorbidades e transtornos psicológicos relacionados ao ciúme, como é o caso da depressão e da ansiedade.
Geralmente, uma entrevista cuidadosa com o paciente revela dados sobre o comportamento do parceiro que poderiam causar ciúme em qualquer pessoa, como telefonemas secretos, distanciamento afetivo e físico frequentes e a confirmação de traições passadas. Todavia, há que se compreender a raiz dos problemas e dos comportamentos antes de fazer juízo de valor de tais situações e passar a agir como se fossem fatos cientificamente comprovados. Nesse intuito, o processo psicoterápico trabalha a melhora da autoestima e a segurança sobre o relacionamento.
Com as intervenções, o paciente percebe que comportamentos como investigar o que o parceiro faz na rede ou vasculhar seus pertences são desnecessários e aprende novas formas de ter confiança no parceiro ou parceira. Talvez um bom início seja tentar encontrar o que mantém o ciúme no seu relacionamento. Como vimos aqui nesse post o ciúme está longe de ser uma prova de amor e nunca propicia benefícios ao relacionamento. Todavia, se ele persiste ao longo do tempo é porque deve ser mantido por algum elemento. Reflita e tenha comportamentos mais adequados para o seu relacionamento.
Texto interessante, minha namorada vive dizendo que eu não sou ciumento mas parece que ela quer que eu seja ao menos um pouco ciumento, afinal o ciume normal é uma forma de demonstrar amor.
Olá André, na verdade existe esse mito em nossa sociedade e por isso muitas pessoas fazem questão que o ciúme esteja presente na relação, mas isso é sempre um tiro no pé.