Em 2008, a opinião popular em Salvador foi dividida entre aqueles que eram a favor e contra a prática do beijo forçado no carnaval. No mesmo ano, o documentário “cordeiros” denunciava as péssimas condições de “trabalho” daqueles que criam barreira e isolamento para alguns foliões curtirem os blocos no Carnaval de Salvador. Hoje, sem dúvidas, beijar uma mulher à força não seria tolerado por populares, tampouco pelas autoridades. Sem dúvidas, isso mostra como evoluímos na valorização e respeito às mulheres. Contudo, em pleno 2023, poucos se constrangem e muitos ainda consideram normal a presença desumana dos cordeiros naquele que se propõe a ser o maior e mais democrático carnaval do mundo. Ao longo dos últimos anos esses assuntos receberam tratamentos distintos. Isso diz muito sobre nós e precisa ser mudado.
O carnaval e a sociedade mudaram, mas nem tanto
No dia 2 de fevereiro de 2015, um telejornal baiano trouxe uma notícia “polêmica”, que dividiu as opiniões da população. O caso dava conta da condenação de um homem a sete anos de prisão por dar um beijo forçado em uma mulher durante o carnaval de 2008. À época, beijar uma mulher à força no carnaval, era algo tão comum que alguém ser condenado e preso por isso pareceu, para a maioria das pessoas, um absurdo. Hoje, sem dúvidas, o despautério seria um beijo forçado ocorrer e, especialmente, tal abuso passar despercebido pelos foliões e pelas autoridades.
Ainda no âmbito do Carnaval, também em 2008, o documentário “Cordeiros”, de Amaranta Cesar e Ana Rosa Marques, lançou luz sobre as condições de “trabalho” dos cordeiros nos blocos do Carnaval de Salvador. Desde então, diferentemente da cultura do beijo forçado, pouca coisa mudou em relação à participação dos cordeiros na folia baiana. As cordas e os cordeiros no Carnaval de Salvador, conforme denuncia o documentário, ainda são presenças estranhas, perturbadoras, violentas e, acima de tudo, antidemocráticas. Dito em outras palavras, uma antítese daquilo a que se propõe a folia baiana. Afinal, as cordas e os cordeiros são “metáfora explícita das tensões entre incluídos e excluídos, brancos e negros, ricos e pobres”.

Não temos beijo forçado, mas temos cordas: We are Carnaval
Enquanto entusiasta das relações saudáveis e do respeito às mulheres, fico feliz ao perceber como atos de violência contra elas foram tratados nas últimas décadas. Obviamente, campanhas como: “não é não”, “respeite as minhas”, dentre outras encampadas pelo poder público, pelos artistas e pela população, foram responsáveis por mais valorização e respeito às mulheres. Prova disso é a quase inexistência do beijo forçado no Carnaval. No entanto, o mesmo empenho ainda não foi empregado para derrubar as cordas e erradicar a exploração da população negra, pobre e periférica no Carnaval. Afinal, a atividade de cordeiro se utiliza daqueles já são segregados no dia a dia como instrumento para segregar pessoas e classes sociais na folia momesca. Assim como foi imprescindível a atuação do poder público, dos artistas e da população em ações em prol do respeito às mulheres, tal empenho se faz necessário na questão dos cordeiros.
Contudo, curiosamente, o posicionamento e a dedicação em ambas as questões nunca foram iguais, nem mesmo entre os poderes e artistas mais engajados socialmente. Nesse sentido, cabe destacar que a atividade dos cordeiros, especialmente pelo modo que ainda ocorre, é uma marca que depõe contra o Carnaval de Salvador. Inclusive, deveria ter o mesmo peso que atentar contra uma mulher nos dias atuais. Para tal cenário mudar, é crucial e urgente que todos atuem em prol de mudanças e melhorias. Afinal, como diz o hino da folia baiana: We are Carnaval.