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Recentemente, alguém me perguntou: “o que você aprendeu em sua viagem de férias sobre a psicologia?” Na hora, a vontade foi responder: nada. Mas, claro, não foi isso que eu disse, embora tenha sido o primeiro pensamento que me veio à cabeça. O controle da resposta impulsiva veio justamente por compreender que, muitas vezes, por trás desse tipo de pergunta, há uma expectativa velada: a de que toda e qualquer experiência precise gerar algum tipo de aprendizado útil que reflita sua produtividade integral. Ou seja, existe uma cultura que propaga a ideia de que tudo na vida deve, de alguma forma, estar relacionado ao trabalho e que é necessário sempre agregar valor à sua imagem pública.

Na contramão desse fluxo e dessa cultura de produtividade integral, busco fazer exatamente o oposto. Afinal, além de ser uma lógica adoecedora, trata-se de um padrão comportamental doentio e perigoso. E, claro, isso não ocorre por acaso. Essa hipervalorização da produtividade na vida das pessoas certamente atende aos interesses de determinadas camadas da estrutura social. Nessa perspectiva, a vida só vale a pena se for útil, otimizada e voltada para o desempenho. É essa a lógica que precisamos questionar. Assim, qualquer oportunidade — até o descanso — precisa ter uma função profissional. Por isso, é fundamental refletirmos sobre as bases desse pensamento e as consequências de suas práticas.

A quem interessa essa lógica de produtividade integral?

A naturalização da produtividade como valor central da vida tem moldado não apenas rotinas, mas também identidades. Em nome de uma suposta responsabilidade, comprometimento ou excelência, muitas pessoas têm reduzido suas vidas a um único eixo: o trabalho. E, quanto mais essa lógica é incorporada, mais ela vai consumindo tempo, energia, vínculos e até saúde. O problema é que esse consumo raramente é percebido como prejuízo. Pelo contrário: tudo isso costuma ser romantizado e rotulado como “dedicação” ou “valor”.

A ideia de que devemos estar sempre produzindo, aprendendo, evoluindo ou aproveitando as oportunidades de forma estratégica faz com que até os momentos familiares, pessoais e de lazer sejam colonizados pela obrigação de performar alguma utilidade. Nessa engrenagem, o descanso vira pausa estratégica para render mais; a viagem precisa gerar conteúdo; o almoço de domingo precisa inspirar algum insight; e a convivência com amigos precisa fortalecer conexões úteis. É como se qualquer parte da vida que não possa ser monetizada, capitalizada ou compartilhada perdesse o sentido. E isso não é só cruel. É alienante e adoecedor.

Homem concentrado no trabalho em casa, enquanto a esposa e os filhos brincam ao fundo. Imagem representa como a produtividade integral afeta a vida familiar.
“Mesmo dentro de casa, muitas famílias vivem desconectadas pela lógica da produtividade. Estar presente fisicamente não é o mesmo que estar disponível emocionalmente.”
Elídio Almeida: psicólogo e terapeuta de casal em Salvador.

A hipervalorização do trabalho e a cultura da produtividade integral adoecem

Essa forma de pensar tem capturado muitas pessoas, especialmente aquelas mais vulneráveis dentro da estrutura social. Nesse sentido, são vitimadas justamente aquelas que, sem perceber, entregam cada vez mais suas vidas ao trabalho — e a quem lucra com ele. Assim, aos poucos, as pessoas vão organizando suas rotinas em torno dessa cultura, abrindo mão de pausas, lazer, vínculos familiares e até da própria saúde. Por isso, trata-se de uma lógica nociva e perigosa. Afinal, ela conduz à hipervalorização do trabalho, como se a vida só fizesse sentido se fosse produtiva o tempo inteiro, girando integralmente em torno da função profissional.

E eu te pergunto: a quem interessa que as pessoas pensem e ajam dessa forma? Você acha mesmo que isso é saudável e sustentável? O que está por trás dessa lógica tão difundida, que captura tanta gente que sequer para para questionar o sentido disso tudo — e passa a guiar sua vida de modo a ver trabalho em tudo?

Não por acaso, aumentam os casos de burnout, ansiedade e depressão. E o mais cruel é que, mesmo diante desses sintomas, muita gente ainda se culpa por estar improdutiva — como se descansar e ter uma vida fora do trabalho fosse um erro.

Produtividade integral: nem tudo é trabalho

O trabalho é importante. É fundamental em nossas vidas. Contudo, ser profissional é apenas um dos papéis que exercemos. É isso que pratico na minha própria trajetória e, por meio da minha atuação, procuro levar as pessoas a refletirem sobre essa questão e a desenvolverem comportamentos mais sustentáveis em suas rotinas. Afinal, ser saudável também é se dedicar aos outros papéis: ser pai, mãe, filho, amiga, viajante… pessoa. Investir nesses aspectos é promover equilíbrio. E são justamente esses elementos que sustentam o bem-estar e a saúde mental.

Por isso, as férias, a viagem, não são para o trabalho. São para descansar, viver experiências novas, se reconectar com você e com quem você ama.

Sempre que alguém me pergunta sobre o meu papel de psicólogo e como esse papel preenche minha vida, minha resposta é esta: amo ser psicólogo e procuro estar inteiro nos meus atendimentos, na condução dos processos dos meus pacientes e em tudo o que faço em nome da minha profissão. Mas, quando viajo, eu sou viajante. Não vejo sentido em estar com meus amigos, meus familiares, em um contexto que não tem relação com o trabalho, e me preocupar com o que devo extrair dali para aplicar na profissão. Quem faz diferente de mim pode não perceber, mas certamente está sendo desrespeitoso consigo, com as pessoas, com o próprio contexto… com a própria vida.

Para refletir

Talvez este seja um bom momento para você se perguntar:

  • Você está vivendo… ou apenas trabalhando?
  • O que você tem feito, além do trabalho, que realmente te dá prazer e nutre sua saúde mental?

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