Bullying – Faz uns vinte minutos que estou aqui diante do computador, com uma tela em branco aberta diante dos meus olhos, os dedos paralisados e o cérebro a mil, mas as palavras não saem.
Não está sendo fácil expressar meus sentimentos ou traduzir estas emoções em palavras.
Foram poucas as vezes em que me vi assim, nessa situação, na qual precisei de um tempo muito maior que o necessário para iniciar um texto, ainda mais sobre o tema com o qual me identifico e tenho dedicado especial atenção nas minhas publicações aqui no blog e em outros trabalhos, como é o caso do bullying.
Assistir e analisar as imagens do vídeo abaixo, que, na minha opinião, são muito impactantes, inclusive para mim que lido com questões de bullying quase que diariamente no consultório, não é uma tarefa fácil.
No entanto, encarar os fatos como uma realidade que reflete um problema crônico da nossa humanidade e que nos atinge diretamente, pode nos levar a perceber que o bullying transforma todos nós, indistintamente em vítimas dessa agressão.
Segundo informações, o vídeo foi gravado há pouco mais de um mês na escola Francisco Leite, no bairro de Águas Claras, em Salvador-BA.
Embora as cenas evidenciem alguns agressores e um alvo, ocultam um forte esquema de produção que possui um elenco gigantesco e uma mega estrutura para que tais cenas fossem concebidas.
Não é difícil imaginar quantas mães e pais se iludem acreditando que seus filhos estão seguros nas escolas e que nesses ambientes – públicos ou privados – estão se tornando cidadãos, sendo que, muitas vezes, nem a própria família possui insumos adequados para tal formação e depositam suas expectativas nas mãos dos professores que, além das matérias curriculares e do pensamento crítico, são requeridos a assumir funções que não são suas como construir valores sociais, morais, religiosos e sexuais, dentre outros, num tremendo contrassenso ao esperado ao processo educacional..
Por outro lado, os governantes se esbaldam nas propagandas publicitárias falando que temos sistemas de educação altamente eficazes (o que pode até ser verdade, mas são casos isolados), que somos uma pátria educadora, quando, na verdade, tudo não passa de tentativas de mascarar a realidade bruta e selvagem a que estamos expostos.
Os políticos, de forma geral, parecem desconhecer a realidade do país que governam ou para o qual fazem e aprovam leis. As autoridades legais não conseguem agir com eficácia diante de tragédias como essa. E nós, enquanto população, acreditamos que rir, compartilhar, ver graça numa criança ser violentada ou apenas apontar nosso indicador para A ou B é o suficiente para mudarmos essa realidade. Na verdade, com isso, deixamos de enxergar e reconhecer que todos somos vítimas do bullying.
Sim, todos nós. Ao menos eu, adulto, aqui num consultório confortável, sem levar tapas na cabeça, chutes, pontapés e sem ameaças ou xingamentos, me sinto tão agredido quanto o garoto alvo das agressões que vimos no vídeo. E digo mais, os agressores também são vítimas de alguma forma, ainda que vítimas dessa humanidade falida, de uma sociedade selvagem e vazia consigo e com o próximo.
Obviamente que o bullying é apenas uma das inúmeras nomenclaturas que poderíamos usar para descrever um problema como este que revela a cronicidade da desumanização que nos cerca e nos envolve.
É triste pensar que isso aí que vimos (que por si só já é preocupante) pode ser apenas a ponta de um iceberg sustentada por camadas e camadas de um gelo social que, mesmo oculto e omisso, serve de estrutura que sustenta e mantém a gravidade de um problema que vai muito além de um garoto que é brutalmente agredido física e emocionalmente.
Enquanto acharmos que apenas os garotos do subúrbio, das favelas e das comunidades carentes são as únicas vítimas de bullying e que apenas estes estão encurralados, coagidos, oprimidos ou que apanham brutalmente, não mudaremos essa realidade tão desprezível. Contudo, uma coisa é certa, talvez eu ou você jamais venha a tomar uns tapas de marginais, mas devemos ter consciência de que tomamos tapas diários tão fortes e dolorosos como aqueles, ainda que esses tapas venham em forma de vídeos que retratam a nossa realidade e chocam nossa percepção.