Você conhece alguém que, na véspera do vestibular ou de um concurso, vai para uma balada, bebe todas e, no dia seguinte, não consegue realizar a prova? E alguém que, prestes a ser promovido, e adquirir novas responsabilidades, comete erros primários, deixar de entregar os relatórios que a chefia solicita e, assim, prejudica sua promoção? Pois é, essas situações podem parecer ilógicas, mas são muito mais comuns do que imaginamos e podem se tratar de um comportamento conhecido como autossabotagem.
A autossabotagem, também chamada de auto boicote, é a tendência em repetir atitudes que dificultam ou inviabilizam as mudanças que, em tese, trariam bem-estar ou algum tipo de melhoria prática ou emocional para a vida daquela pessoa. Mas, isso não ocorre por acaso. Normalmente há uma evitação ou um ganho secundário nesse processo.
Como a autossabotagem se manifesta?
A autossabotagem manifesta-se de várias maneiras e complexidades. Pode ser uma mera tendência aos pequenos descuidos (negligenciando cuidados com o corpo, estudo, trabalho, planos pessoais, responsabilidade nas relações, etc), passando pela autoestima degradada e vulnerabilidade a vícios (tabagismo, comer compulsivamente, alcoolismo e outras drogas lícitas ou ilícitas), depressão (em menor ou maior grau) e chegando até à automutilação (quando o indivíduo machuca a si mesmo para evitar enfrentar um problema).
Desta forma, podemos concluir que alguém que vai para uma balada, na véspera de uma prova, tem menos dificuldade em afirmar que foi reprovado por estar cansado do que admitir que não dominava o conteúdo exigido. Tal ação funciona como uma manobra preventiva, ainda que inconscientemente, para evitar uma exposição maior, talvez pela pessoa achar, desde o princípio, que não teria condições de ser aprovada.
Uma forte característica das pessoas que têm o comportamento de autossabotagem é o pessimismo frente a novas situações ou à mudanças. Geralmente elas questionam as razões pelas quais parecem sempre estar tropeçando nas coisas da vida: parceiros errados, trabalhos insatisfatórios, desempenho sempre aquém do desejado, ou seja, parece que sempre existe um “freio de mão puxado” ou uma “nuvem cinza” que paira sobre suas cabeças. É a famosa síndrome de Gabriela.
Parece até que esses indivíduos sabem o que necessita ser mudado e até planejam as ações necessárias, mas na hora “H” falta-lhes recursos e, por isso, acabam reincidindo nos mesmos padrões de fuga, pois, afinal de contas “nem vale a pena tentar, já que não vou conseguir mesmo, assim pelo menos a frustração é menor”. Ou seja, protegem-se do fracasso, acredittando que nunca terão sucesso.
Claro que estamos falando de mudanças de comportamento. Mudar de comportamento nem sempre é uma tarefa fácil e, geralmente, significa termos que deixar nossa zona de conforto. É neste momento que, sem perceber, passamos a boicotar nossos avanços, para não sairmos da rotina e enfrentarmos novos desafios.
Essa tal zona de conforto pode ser entendida como aquela sensação de segurança ou recompensa que temos ao realizarmos o que já estamos acostumados e que teve bons resultados. Por exemplo, o garoto que tinha uma prova difícil na escola e mentiu pra mãe, dizendo que estava doente, para faltar à escola. Esse esquema selecionado (aprendido) pode ser utilizado pela mesma pessoa, em sua vida adulta, para poder faltar a uma apresentação na faculdade, tendo assim a (falsa) sensação de segurança e conforto por ter evitado o real enfrentamento do problema.
Sabe aquela escapulida da dieta apenas no fim de semana? Também é uma forma de boicote a si mesmo. Sim, pois quanto mais visível for a necessidade da dieta, a pessoa tende a acreditar que não vale a pena controlar a alimentação ou fazer exercícios físicos , por isso continua procrastinando o enfrentamento real do problema, ainda continuando a comer, lamentando o fato de estar fora do peso.
Mas por que as pessoas sabotam o próprio sucesso?
O que pode parecer estranho é que isso é mais comum do que imaginamos, pois ser bem-sucedido causa medo em muita gente. A pessoa que se sabota não se acha capaz de realizar determinadas ações, por isso sempre encontra alguma rota de fuga, mesmo que se lamente por não ter tido sucesso.
Precisamos entender que ser bem-sucedido em algo desperta em algumas pessoas emoções complexas. Muitos acham que o sucesso traz consigo críticas e ameaças, gerando uma ansiedade excessiva. Algumas pessoas não conseguem lidar com isso de maneira adequada e acabam, dentre outras coisas, se autosabotando.
A autossabotagem é consciente?
A autossabotagem nem sempre é consciente. Por isso, ter consciência da autossabotagem já é um grande passo para mudar os hábitos e, com isso, ter novos resultados. Porém, o mais importante é saber identificar os “ganhos” secundários do comportamento de autossabotagem, para que você possa tratá-los de forma adequada e na raiz do problema.
O ser humano atua diante de certas situações recorrendo a uma experiência prévia que tenha sobre aquele assunto ou até mesmo o padrão de respostas que sempre usou em casos semelhantes (como é o caso do garoto que faltou à escola). O reconhecimento deste padrão e a sua ruptura são os próximos passos para o fim da autossabotagem.
Outra dica é e encontrar diferentes maneiras de atuar diante da mesma situação. A Psicoterapia Comportamental pode ajudar bastante nesse processo, pois juntos podemos aprender a ter atitudes novas e mais adequadas às situações e, assim, ter uma aproximação cada vez maior (e qualificada) do sucesso.
Sempre precisamos estar à procura de mecanismos de superação. Isso talvez deságue na compreensão de que o caminho mais fácil não é, necessariamente, o melhor caminho. E quanto antes percebermos que nós mesmos sabotamos nossas possibilidades de felicidade, sucesso e prosperidade, melhores serão nossas chances de superação. E, lembre-se, a autossabotagem é mais comum do que você imagina. Talvez você esteja se autossabotando e nem percebe. Pense nisso!
Bom dia,
Sempre estou por aqui lendo os seus posts e são realmente muito bons.
Me tire uma dúvida: Existe alguma relação entre autossabotagem e tdah em adultos?
Grata,
Olá J.
Obrigado pro mais uma participação e constante visita.
Então, TDAH e Autossabotagem são dois padrões distintos de comportamento, embora possam se assemelhar em alguns sintomas e características.
Basicamente a causa e o que mantém ambos é que destaca a diferença entre eles. Veja que a autossabotagem basicamente é originada e mantida pela repetição de comportamentos que geram consequências imediatas para os episódios. O TDAH, além de ser mantido por comportamentos aprendidos, pode ser origem em algum “defeito”orgânico, que faz com que a pessoas não consiga manter o foco em determinados episódios e não tenha controle sobre esse comportamento.
Espero que tenha ajudado. Até o próximo, combinado?
Me identifiquei bastante com o post principalmente com a citação “nem vale a pena tentar, pois como não vou conseguir mesmo, assim pelo menos a frustração é menor”. Ok primeiro e grande passo é entender a sua autossabotagem o que me parece difícil é a mudança de pensamento e consequentemente o comportamento.
Olá Lilo!
Obrigado pela visita e pelo comentário.
Você tem razão, identificar é o primeiro e mais acessível passo para enfrentarmos a autossabotagem. Todavia a mudança tende a se tornar mais fácil à medida que a gente vai conseguindo quebrar alguns rituais e avaliando sempre os resultados. Como costumo sempre dizer aos meus pacientes: para resultados diferentes, comportamentos diferentes. E é sempre legal a gente começar do mais fácil, para ganharmos forças para os mais difíceis.
Procrastinação. Sempre vou adiando atutudes que vão me fazer bem, como o estudo, a academia .. E isso acaba dificultando a minha evolução como pessoa e como profissional.
No meu caso, tive alguns problemas na infância de estrutura familiar e hoje eu repito comportamentos auto destrutivos que aprendi e desenvolvi nessa época. É muito difícil mudar…