O surto em torno dos bebês reborn
O Brasil está enfrentando um fenômeno intrigante: o crescimento do uso dos chamados bebês reborn — bonecos hiper-realistas que imitam recém-nascidos. O que começou como uma curiosidade lúdica, colecionável e artística se transformou em algo bem mais complexo e preocupante. Isto porque, homens e mulheres passaram a tratar esses objetos como filhos de verdade: convivem, criam rotinas, e até buscam atendimento hospitalar ou orientação jurídica para questões relacionadas a esses bonecos.
O fenômeno ganhou destaque nas redes sociais e programas de TV, com vídeos de “partos”, “maternidade” e relatos emocionados de pessoas que se dizem “mães” desses bebês. Mas o que esse surto dos bebês reborn diz sobre a contemporaneidade e como devemos compreender e tratar essa questão?
Surto coletivo: o que está por trás dos bebês reborn?
Primeiramente, é importante destacar que tudo em torno desse surto dos bebês reborn não se trata de uma análise ou julgamento individual. Ao chamar esse fenômeno de surto coletivo, uso o termo com olhar profissional e seriedade. Isso porque ele expõe mecanismos profundos de negação da realidade e carências emocionais não elaboradas, presentes em grande parte do corpo social, indicando um padrão de comportamento inadequado por parte de indivíduos inseridos numa sociedade em colapso.
Ou seja, o uso desses bonecos, da maneira como estão sendo utilizados, pode ser reflexo de uma sociedade em que muitas pessoas não sabem lidar com perdas, frustrações e solidão.
Os bebês reborn não são apenas bonecos: são válvulas de escape para sofrimentos não compreendidos.
Por isso, muitos dos denominados “pais e mães de bebês reborn”, movidos por alguma questão emocional, em vez de buscar apoio psicológico, recorrem a narrativas fantasiosas. Essas narrativas, embora aparentemente inofensivas, escondem dores reais e profundas.
Portanto, é salutar lembrar que os bebês reborn não são apenas objetos estéticos, uma brincadeira ou algo lúdico. Eles podem representar símbolos de dores que nem sempre são compreendidas ou nomeadas por quem está em sofrimento emocional.
Bonecos reborn e a espetacularização da dor
Também é importante salientar que o fenômeno dos bebês reborn vai além das “mamães de bonecas”. Ele movimenta uma cadeia que envolve quem cria essas peças, influenciadores e até profissionais de saúde que validam o uso pseudoterapêutico desses bonecos. Todos eles incentivam e entram na fantasia e no delírio de quem vê nesses brinquedos algo a mais do que um objeto inanimado. E isso é preocupante.
Para se ter ideia da dimensão desse surto, há registros de mulheres levando os bonecos a emergências médicas, enquanto outras tentam brigar na justiça pela guarda compartilhada em processos judiciais.
A loucura virou espetáculo?
Tudo isso levanta outra questão central: a loucura virou espetáculo? O que vemos em torno dos bebês reborn indica que, mais uma vez, a loucura foi transformada em espetáculo. Isto porque, historicamente, a humanidade sempre explorou as anomalias e os sofrimentos mentais como forma de entretenimento. Afinal, em tempos não tão distantes, as pessoas iam ao circo, sentavam diante de uma televisão, para ver indivíduos com deficiências, transtornos mentais ou condições diversas. Hoje, a mesma situação se mantém, ainda que em outros formatos.
Além disso, o surrealismo das “mães de bonecas” virou conteúdo de entretenimento, potencializado pelas redes sociais, reportagens, vídeos virais e debates televisivos. Isso, sem dúvidas, gera engajamento e lucros, mas também fomenta e estimula que outras pessoas com questões emocionais pendentes se identifiquem e recorram a esses bonecos como forma de lidar com suas dores emocionais.
O reflexo de um vazio social: adultos sem função, cuidadoras sem objeto
Outro ponto que merece reflexão nessa situação é a consequência da naturalização da brincadeira de boneca na infância, historicamente usada para condicionar meninas ao papel de cuidadoras e mães. Não por acaso, grande parte das mulheres envolvidas com bebês reborn são adultas, casadas, cujos filhos cresceram — e que agora se veem sem função social ou identidade própria, buscando nesses bonecos uma forma de sustentar o único papel com o qual ainda se reconhecem: o de cuidadora.
Portanto, precisamos refletir sobre os bebês reborn com mais responsabilidade.
Uma sociedade emocionalmente infantilizada
Como psicólogo, não vejo nisso apenas uma excentricidade ou fetiche inofensivo. Vejo um retrato alarmante da nossa imaturidade emocional coletiva. Vivemos em uma época em que o corpo amadurece, mas a o emocional e e cognitivo continua reagindo como uma criança diante da dor. Assim, em vez de buscar compreensão, apoio e elaboração emocional, muitas pessoas se refugiam em fantasias aparentemente inofensivas e reconfortantes ao invés de buscar tratar suas dores emocionais. Mas a verdade é dura — e precisa ser dita: o surto dos bebês reborn é uma tentativa mequetrefe de fugir da realidade. Portanto, precisa ser discutida com seriedade, para que possamos desenvolver relações mais saudáveis com nossas dores, nossos papéis sociais e nossas fantasias.
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E você, já conhecia esse fenômeno dos bebês reborn?
Considera uma excentricidade inofensiva ou vê nisso um sinal de alerta?
Já teve contato com alguém que viveu algo parecido?