Embora eu já tivesse ouvido falar sobre Bell Hooks, ainda não tinha me aventurado a ler algum de seus livros, até que um amigo, a partir de uma de nossas maravilhosas conversas, me recomendou “Tudo sobre o amor: novas perspectivas”. Nesse livro, Hooks apresenta um conceito expandido de amor, abordando-o de maneira muito mais ampla do que o amor romântico popularmente difundido. Assim, em seus 13 capítulos, Bell Hooks propõe diversos pontos de reflexão, oferecendo uma infinidade de interpretações sobre o amor. Aqui, destaco alguns pontos que podem ser úteis para pensarmos sobre os dilemas presentes em muitos relacionamentos amorosos o que pode produzir novas ações para melhorar a relação conjugal.
Amor é diferente de desejo
Bell Hooks destaca que, embora o desejo e o amor frequentemente coexistam, eles são distintos. Para ilustrar essa diferença fundamental, ela usa o termo psicológico “catexia”, que descreve a concentração de todas as energias, memórias, pensamentos e elaborações mentais em uma representação específica. Desse modo, compreender os diferentes elementos que compõem essa representação é fundamental para entender alguns relacionamentos, seus dilemas e conflitos. Afinal, muitas pessoas vivem em relações conturbadas, justificando comportamentos abusivos com a crença de que “no fundo, nos amamos”. No entanto, Hooks demonstra que amor e desejo são coisas diferentes. Portanto, “se uma pessoa te trata mal, isso não é amor”. Confundir esses sentimentos pode levar à perpetuação de relações prejudiciais, quando, na verdade, é o desejo que mantém a conexão, não o amor genuíno.
Por exemplo, podemos pensar em homens e mulheres que vivem em relacionamentos tóxicos, mas tentam justificar seus problemas dizendo: “A gente briga, a gente tem problemas, mas no fundo nos amamos.” Ao entender que amor é uma coisa e desejo, vínculo e relacionamento são outra, nossa compreensão se amplia, revelando novas nuances desse convívio. Em vista disso, se uma pessoa te negligencia ou abusa de você, isso não é amor. A autora destaca que, ao confundir amor e desejo, podemos nos prender a relacionamentos tóxicos, justificando-os erroneamente como amor verdadeiro.
Amor não coexiste com estruturas de poder e dominação
Outro ponto crucial que Hooks aborda em seu livro é que o amor não coexiste com estruturas de poder e dominação. Isto significa que em qualquer relação, especialmente nas relações amorosas, a presença de uma dinâmica de poder desequilibrada não deve ser confundida com amor. Por exemplo, relacionamentos em que uma pessoa exerce controle e dominação sobre a outra, seja financeira, emocional ou de qualquer outra natureza, estão fundamentados em manipulação, não em amor. Hooks nos lembra que relações saudáveis são construídas em uma base de igualdade e troca genuína, sem hierarquias de poder.
Tal pensamento pode ser corroborado por meio daqueles casais em que um parceiro tem mais poder, seja financeiro ou emocional, e usa isso para controlar o outro. Essa dinâmica cria um ambiente de opressão e não de amor verdadeiro. Quando ambas as partes se veem como iguais, a relação se transforma, permitindo uma troca genuína e um amor mais profundo.
A maioria de nós cresceu em famílias disfuncionais
Nesse ponto polêmico, Bell Hooks afirma que a maioria de nós cresceu em famílias desestruturadas, e este é um fato que muitos relutam em aceitar devido ao estigma associado ao termo. Para a autora, famílias disfuncionais não são necessariamente aquelas sem uma estrutura convencional de pai-mãe e filhos, mas aquelas onde o amor não dita as regras das relações familiares. Segundo a autora, a maioria das famílias são disfuncionais pois oferecem primordialmente o cuidado aos filhos e comumente esse cuidado é chamado de amor. Desse modo, muitas vezes, confundimos cuidado com amor, mas Hooks destaca que o cuidado está contido no amor, mas não é sinônimo dele. Ela também expande esse conceito, mostrando como a sociedade disfuncional perpetua estruturas de desamor, por meio de criações conflituosas, de abandono emocional, dificultando nossa capacidade de reconhecer o amor e também amar genuinamente.
Portanto, ao reconhecer que crescemos em famílias disfuncionais, podemos começar a entender nossas dificuldades em amar e ser amados. Isso nos permite quebrar o ciclo de desamor e construir relações mais saudáveis, baseadas em amor genuíno e respeito mútuo.
O amor pode ser encontrado na comunidade
Para a Bell Hooks, especialmente pela razão de termos crescido numa sociedade disfuncional, frequentemente buscamos amor na família nuclear e, ao não encontrá-lo, tentamos criar uma nova família, repetindo padrões disfuncionais. Por exemplo, alguém que teve pais agressivos tenta, ao casar, construir uma família para suprir uma lacuna vinda da sua família de base. Contudo, essa nova família já nasce com o peso de questões vindas de outras vivências, e isso frequentemente culmina em atos de desamor. Desse modo, Hooks destaca que o amor também pode ser encontrado na comunidade mais ampla, como em amigos, tios, primos e outros que não estão presos a estruturas tradicionais. Esses relacionamentos podem oferecer um amor mais genuíno e menos condicionado. Nesse sentido, a autora compartilha experiências pessoais de como pessoas de sua comunidade a resgataram e a colocaram no caminho do amor, mostrando que o amor está distribuído em diferentes lugares.
Por exemplo, podemos encontrar amor em amizades profundas, em relações com mentores ou em laços comunitários. Esses relacionamentos nos ensinam sobre amor e nos ajudam a desenvolver habilidades emocionais que talvez não tenhamos aprendido em casa.
Amor como ação: transformando sentimentos em realidade
Hooks considera o amor uma ação que visa permitir e ajudar o outro a ser o melhor que puder ser, e a mesma lógica se aplica a nós mesmos. Essas ações de amor são aquelas que promovem a autonomia e o bem-estar das pessoas. Em outras palavras, o amor não é apenas um sentimento, mas uma prática ativa que envolve comunicação, escuta e compaixão. Portanto, Hooks define o amor como
“uma ação, uma emoção participativa. Quando nos engajamos num processo de amor-próprio ou de amar os outros, devemos nos mover além do reino do sentimento para tornar o amor real. É por isso que é útil ver o amor como uma prática. Quando agimos, não precisamos nos sentir inadequados ou impotentes; podemos confiar que existem passos concretos para trilhar o caminho do amor. Aprendemos a nos comunicar, a nos aquietar e a ouvir as necessidades de nossos corações, e aprendemos a ouvir os outros. Aprendemos compaixão ao estarmos dispostos a ouvir a dor, assim como a alegria, daqueles que amamos”.
Bell Hooks
Desse modo, quando entendemos o amor como uma prática, podemos tomar passos concretos para cultivar relações amorosas mais saudáveis. Isso inclui aprender a comunicar nossas necessidades, ouvir as dos outros e praticar a compaixão. Ou seja, o amor como ação significa construir ativamente um ambiente onde o amor possa florescer de modo leve e genuíno.
Melhorando os relacionamentos amorosos: aprendendo com a experiência
Refletir sobre esses e outros pontos abordados por Bell Hooks sobre o amor pode nos ajudar a compreender alguns dos dilemas presentes nos convívios amorosos e melhorar nossas relações. Portanto, é crucial refletir e aprender com nossas experiências, de modo a evitar repetições de padrões de desamor da família nuclear. Isso envolve reconhecer e desconstruir estruturas de poder em nossas relações, buscar amor em uma comunidade mais ampla e praticar o amor como uma ação de promoção do bem-estar pessoal e do casal.
Ao compreender que o amor verdadeiro é baseado em igualdade e respeito mútuo, podemos construir relações mais saudáveis e gratificantes. Aprender a amar genuinamente, sem repetir padrões disfuncionais, é um passo fundamental para alcançar relações amorosas mais felizes e duradouras. Na terapia de casal, muitos pares conseguem refletir sobre os conflitos vivenciados no namoro ou no casamento, de modo a encontrar as raízes e as soluções para os problemas da relação. Por isso, nunca hesite em buscar ajuda profissional para compreender os problemas do seu relacionamento e melhorar a qualidade de vida do casal.
Você já conhecia Bell Hooks? O que você achou das ideias dela trazidas nesse texto? Deixe seu comentário e, se possível, me siga nas redes sociais para acompanhar as novidades.