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O leitor Márvio Miguel, através de minha fan page, no Facebook, sugeriu uma pauta bastante interessante e polêmica para o nosso blog: falar sobre a campanha “certo ou errado” da Hope.

Certo ou errado?

Tão logo foi ao ar o comercial com a nova campanha da Hope, estrelada pela modelo Gisele Bündchen, uma grande polêmica passou a circular na mídia, redes sociais e até em instancias judiciais do país.

Criados pela Giovanni+DraftFCB, os vídeos comerciais da campanha “Hope Ensina” mostram Gisele Bündchen inicialmente vestida com trajes comuns, sugerindo que aquele tipo de roupa não deveria ser usado por uma mulher ao informar uma má notícia. Em seguida Gisele aparece novamente, desta vez vestida apenas de lingerie, indicando que aquela seria a maneira correta, incentivando as brasileiras a usarem o charme, a sensualidade e o corpo para ter o controle das situações, especialmente nos relacionamentos.

Segundo notícias que vêm sendo divulgadas, a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), ligada  àPresidência da República, recebeu reclamações acerca do comercial e, por isso, solicitou ao Conselho Nacional de Autoregulamentação Publicitária (Conar) a suspensão da campanha.

Certo ou errado?

Em resposta à polêmica a marca divulgou uma nota de esclarecimento, explicando que a intenção do filme era usar o humor para mostrar a sensualidade da mulher brasileira.

Para a SPM,  a campanha representa um retrocesso aos avanços da luta em prol do reconhecimento dos direitos das mulheres e sustenta que a imagem da mulher é apresentada nos vídeos da campanha em uma condição submissa, usando o corpo e o apelo sexual para se expressar e evitar eventuais punições. A Hope salienta nos vídeos da campanha que a mulher brasileira pode e deve usar seu corpo para comunicar notícias ruins ou ter seus desejos atendidos.

Em minha opinião os vídeos da campanha “Hope Ensina” são  criativos e, de fato, faz uso de uma tentativa de humor para mostrar o poder da sensualidade como ferramenta de controle em nossa sociedade. Todavia, não posso deixar de considerar que a marca comete um erro muito grave no que tange à representação do papel da mulher, principalmente após a evidência dos danos históricos ocasionados por nossa sociedade machista. Não é saudável a nossa sociedade estimular pessoas a utilizar seus corpos e atributos sexuais para realizarem um simples pedido de desculpas, comunicar qualquer tipo de notícia ou evitar possíveis punições por ter cometido algum comportamento inadequado.

Usar uma roupa íntima, para amenizar uma situação inadequada e/ou conseguir algo, é semelhante a atitute possui de quem usa um decote para conseguir um desconto ou sensualiza para obter uma aprovação do professor ou do chefe. A questão é que muitas pessoas vêm isso como uma atitude inadequada, mas não percebem que atos dessa ordem têm origem a partir de estímulos dados em campanhas publicitárias ou em outros produtos culturais, os quais propagam conhecimento e valores.

Ocorre que a Hope não é a primeira empresa a colocar a mulher em uma posição de submissa ao homem, ou a usar o corpo feminino para fazer juízos de valores e propagar preconceitos. Você já reparou nos demais comerciais que vemos na TV, nas revistas, em outdoors? Muitos deles dão dicas bem claras e, por isso, penso que a Hope não deve ser a única penalizada por toda essa questão.

E a SPM fez bem ao recomendar a proibição dos comerciais? Acredito que não. Você deve está se perguntando por que não, se acabei de dizer que a Hope errou ao fazer este comercial. Saibam que sempre tive medo das consequências de proibições a partir da prerrogativa da arbitrariedade. Um erro jamais pode justificar outro e penso, também, que não houve a mínima discussão acerca da questão, tão pouco a mesma medida tem sido usada para outros casos tão graves quanto este.

Penso que devemos sempre fazer uma leitura sistêmica e funcional das questões que perpassam os momentos de nossa vida, sejam elas as leis e os poderes que regem nossa sociedade ou mesmo os mais sutis estímulos e comandos de comportamento que nos cercam em todos os ambientes e contextos.

Vejo que os dois principais personagens deste tema, a Hope e a SPM, cometem erros: o primeiro ao colocar a mulher  em uma posição submissa e, o segundo, ao punir arbitrariamente. Mas também trazem à tona a discussão e mostram que há tentativas de reparar danos sociais históricos, em especial às mulheres.

certo ou errado psicologo elídio Almeida comenta

Lamentavelmente ainda precisamos passar por episódios desta magnitude. Melhor seria se pudéssemos viver numa sociedade na quais as mulheres não cedessem aos comandos do que é certo ou errado ditados por uma marca, que obviamente possui seus interesses, ou ainda que não necessitassem de órgãos regulamentadores para definir o que é permitido ou proíbido. Lógico que esse é um mundo utópico, mas hoje nada nos impede de exercemos nosso poder de analisar as coisas que nos cercam com um mínimo de criticidade, basta tentarmos.

Obrigado, Márvio Miguel pela sugestão. Valeu!

Críticas, dúvidas ou sugestões, deixe seu recado nos comentários.

Elídio Almeida

Psicólogo em Salvador, formado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e especializado em Terapia de Casal e Relacionamentos (CRP). Possui também pós-graduação em Psicologia Clínica pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Dedica-se à prática clínica, oferecendo acompanhamento terapêutico a casais, famílias e atendimento individual para adultos. Além disso, ministra cursos e palestras na área.

8 Comments

  • ÁLVARO SERRAVALLE REIS disse:

    PARA MIM A NUDEZ NUNCA FOI SINÔNIMO DE INDECÊNCIA, PORÉM ESTAMOS ACOSTUMADOS A DAR ATENÇÃO E CRITICAR DETERMINADOS COMPORTAMENTOS NO ÂMBITO COMERCIAL, ESQUECENDO QUE NO ÂMBITO POLÍTICO EXISTE A MAIOR INDECÊNCIA QUE É O ROUBO DO DINHEIRO PÚBLICO QUE TEM COMO CONSEQUÊNCIA DESASTROSA NA NOSSA SOCIEDADE.

    • Olá Álvaro,
      Obrigado pelo comentário. Você está com razão e devemos ficar a tento a tudo isso e agir com mais responsabilidade.
      Um abraço.

  • Ivan Brafman disse:

    Boa noite Elídio!
    Acho que estão banalizando muito o conceito do que seja certo ou errado, ao nos espelharmos em críticas do que estaria melindrando as suscetibilidades de alguns grupos de pessoas.
    Nos dias atuais, vemos cenas nas novelas (em todos os horários), nos canais mais assistidos pela população brasileira, onde as cenas de sexo são muito reais.
    Situações onde a corrupção são lastreadas por angulos inimagináveis e tudo é possivel, sem limítes.
    Os nossos políticos em Brasília, salvo, raríssimas excessões: são indecentes e indecorosos.
    Aí, alguém, vem com esta “conversinha” falar em imoralidade e incoveniências, quando a agência de publicidade Giovanni+DraftFCB, coloca a modelo Gisele Büdchen, para vender uma langerie e exterioriza um tema que é colocado na prática nos bastidores do nosso cotidiano e muitas das vezes, somos testemunhas de fatos geradores até de perplexidades.
    Ora, esta gente que está censurando a propaganda comercial está sendo hipócrita.
    Não vejo nada condenável nem imoral.
    Respeito e admito que se deve evitar vulgaridades, contudo, no atual contexto de tantos escandalos políticos neste país, querer fazer um estardalhaço em cima de algo tão inofensivo é inconcebível.
    Abraços. Ivan Brafman – Rio de Janeiro.

  • Daiana nascimento disse:

    Muito boa a discussão. Pesquiso sobre a ascensão feminina no mercado de trabalho e adorei a página.
    Sds,
    Daiana Nascimento.
    Administradora de Empresas

  • Edie Meireles disse:

    Nossa cultura é essa mesma, hipocrisia dizer qualquer coisa contra isso, a propaganda´é uma realidade exibida com humor, nada demais, vc quer casar com mulher feia? Quer comer um jaburú?, se sua mulher lhe seduzir de langerie vc vai reclamar da porra da conta do cartão? Vc ganha bem pra quê? Se veste bem pra quê? Gasta seu dinheiro em quê?, tudo é sexo e mulher gostosa sendo sua, dos outros ou de ninguém. Ou vc vive pra torcer pra time de futebol?

  • Dene S de Almeida disse:

    Prezado Elídio, você foi felicíssimo no seu comentário mostrando que ambas as partes tem as suas razões e motivos: a empresa, usando a sensualidade sutil para expandir suas vendas (nada mais natural, afinal uma fabrica de langèrie não pode usar de outro artificio para tal), e do outro lado a SPM que se preocupou com os efeitos psico-sociais desta propaganda.
    Claro que muitas pessoas citaram a questão dos políticos, e ponderaram que estes deveriam priorizar “retirar as traves de seus olhos para enxergar melhor, e daí, poder retirar os ciscos dos olhos alheios”. Perfeito! mas não podemos apoiar estes atos e deixar de levar em consideração os seus efeitos nocivos à sociedade. Não me lembro de alguém ter citado que estas propagandas também podem potencializar os efeitos das doenças de transtornos alimentares, e gostaria que você comentasse se este raciocínio tem precedentes. Sds.

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