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A jornalista Isabella Abreu, do portal UOL e do site VivaBem, me convidou para falar sobre o floodlighting — uma nova tendência nos relacionamentos que tem ganhado destaque nas redes sociais, especialmente entre os mais jovens da Geração Z.

O termo floodlighting descreve o ato de compartilhar informações pessoais e emocionais de forma intensa e precoce, geralmente nos primeiros encontros. Embora, à primeira vista, possa parecer um gesto de autenticidade ou vulnerabilidade, o floodlighting acaba funcionando mais como um teste ou uma tentativa ansiosa de acelerar a intimidade — o que, na prática, tende a afastar, em vez de aproximar, as pessoas no processo de construção de um relacionamento.

Neste post, compartilho a íntegra da entrevista concedida para a matéria da jornalista Isa Abreu, que será publicada no VivaBem/UOL. Ao longo das perguntas, apresento minhas reflexões e posicionamentos sobre os riscos, motivações e possíveis alternativas ao floodlighting, com o intuito de contribuir para uma construção de vínculos afetivos mais consciente e saudável.

Como você avalia essa tendência de pessoas que estão compartilhando detalhes tão íntimos logo nos primeiros encontros?

A primeira avaliação que faço é que muitas pessoas, hoje, parecem ter desaprendido como construir vínculos emocionais — algo essencial para o início e o desenvolvimento de um relacionamento amoroso. Ou seja, em vez de permitir que a relação se desenvolva com o tempo, elas acabam se portando como candidatas a uma vaga de emprego, tentando “vender seu currículo” já no primeiro encontro. A intenção, muitas vezes, é otimizar o tempo, compartilhando tudo sobre si mesmas de forma rápida, sem considerar que o outro ainda não tem vínculo emocional, não conhece sua história e está mais numa posição de avaliação do que de acolhimento.

Compartilhar detalhes íntimos exige uma base construída: convivência, empatia, confiança mútua. Quando isso não existe, essas informações podem ser mal interpretadas ou julgadas fora de contexto. Além disso, nem todo mundo tem repertório emocional ou sensibilidade para lidar com a intimidade do outro nesse início de relacionamento. Por isso, vejo a tendência floodlighting como algo equivocado — muitas vezes motivado por ansiedade, pressa ou até pela ilusão de que vulnerabilidade imediata cria conexão. Mas, na prática, sem vínculo, isso pode gerar distanciamento em vez de aproximação.

Na sua perspectiva, o que tem levado as pessoas a adotarem o floodlighting num relacionamento?

Há algumas razões que levam as pessoas a compartilhar detalhes tão íntimos logo nos primeiros encontros — e, em muitos casos, essas razões até parecem lógicas à primeira vista. A mais comum é a ideia de transparência: muitas dizem que preferem “jogar limpo” desde o início, evitando surpresas ou frustrações futuras. Acreditam que, ao revelar tudo de cara, estão sendo honestas e facilitando o processo de escolha do outro.

Contudo, essa prática está fortemente associada à ansiedade e à pressa que marcam os relacionamentos hoje, especialmente para as pessoas da geração Z. Contudo, de modo geral, vivemos em uma cultura imediatista, em que a construção de vínculos afetivos tem sido banalizada. As pessoas estão desaprendendo a importância do tempo, da convivência e da construção gradual da intimidade. Elas se apresentam como um “pacote fechado”, esperando que o outro aceite tudo aquilo de imediato — como se isso fosse suficiente para garantir o sucesso de uma relação.

Interessante…

Além disso, existe ainda um mito muito presente: a ideia de que, ao encontrar alguém, é preciso rapidamente planejar um futuro — namoro, casamento, filhos. E, nesse impulso, compartilham tudo sobre si mesmas já esperando um “sim” que valide esse projeto idealizado. Mas isso ignora o fato de que o outro pode não estar no mesmo ritmo, nem com a mesma intenção.

Não raramente, mesmo que a outra pessoa aparente aceitar essa exposição toda, isso não significa, necessariamente, que ela está emocionalmente preparada ou comprometida para sustentar esse nível de intimidade. Às vezes, ela só está interessada em um contato inicial, talvez até sexual, e diz “sim pra tudo” por conveniência ou circunstância — não por empatia ou envolvimento genuíno.

Por isso, é essencial que as pessoas reflitam: com quem estou compartilhando essas informações? Qual é o vínculo que já existe? Há abertura real e mútua para esse nível de entrega? Intimidade se constrói — não se impõe. E, quando acontece de forma abrupta, pode gerar mais frustrações do que conexões verdadeiras.

O que essa busca precoce por intimidade pode significar?

Essa busca precoce por intimidade, o floodlighting, pode significar muitas coisas. Em geral, está ligada a pessoas inseguras, ansiosas, que já carregam dentro de si um projeto idealizado de relacionamento — e saem em busca de alguém que se encaixe nesse modelo pronto. Elas não estão necessariamente abertas a construir algo a dois, mas sim a preencher um espaço previamente planejado, como se contratassem alguém para um papel específico para contracenar na vida real.

Na prática, isso se traduz num comportamento muito comum hoje: apresentar uma espécie de currículo afetivo — “eu sou isso, gosto daquilo, quero alguém com tais e tais características” — e fazer um checklist já nos primeiros encontros. O objetivo é encontrar o “match” ideal o quanto antes. Por isso, o movimento floodlighting revela o despreparo emocional para a construção de vínculos reais e a tendência de banalizar o processo de se relacionar.

Não é por acaso que, nas redes sociais, vemos a lógica do “eu quero alguém que…”, com listas intermináveis sobre o que se espera de um parceiro ou parceira. São exigências sobre aparência, profissão, renda, configurações familiares. Isso transforma o relacionamento em um processo seletivo, onde se busca mais por características do que por conexão genuína — o que é bastante problemático.

Além da ansiedade e das idealizações individuais, esse comportamento também é reforçado por conteúdos superficiais nas redes sociais, especialmente por influenciadores que promovem modelos prontos de felicidade e relacionamento. O resultado? Muitas dessas pessoas acabam frustradas logo nos primeiros estágios da relação, sentindo-se enganadas, traídas ou simplesmente vazias por não encontrarem a conexão que esperavam.

E os extremos?

Em casos mais extremos, em vez de revisitar essas posturas e reconhecer os próprios equívocos, elas insistem na mesma estratégia e seguem avançando no relacionamento a qualquer custo — tendo filhos para “salvar” a relação, propondo a abertura do relacionamento ou aceitando comportamentos nocivos, tudo em nome da sustentabilidade de um vínculo que já começou de forma equivocada.

No meu consultório, tenho atendido, com frequência, pessoas que vivenciaram relacionamentos iniciados assim e que hoje carregam um sentimento de infelicidade, frustração e decepção. O lado positivo é que, seja por meio da terapia individual ou da terapia de casal, temos conseguido desconstruir essas expectativas irreais e reconstruir vínculos mais saudáveis, verdadeiros e duradouros.

Quais os riscos emocionais de se expor tanto tão cedo para quem fala e para quem ouve?

Os riscos emocionais do floodlighting são muitos — e afetam tanto quem fala quanto quem ouve. Para quem se abre, o maior risco é a frustração por não se sentir compreendido, acolhido ou correspondido. Já para quem recebe essas informações, o impacto pode ser igualmente desconfortável: às vezes são dados muito íntimos e relevantes para uma relação ainda em fase inicial. Isso pode gerar susto, sensação de invasão e até afastamento.

E é aí que mora o problema: muitas vezes, quem se expôs interpreta esse afastamento como falta de comprometimento do outro, como se ele fosse emocionalmente responsável por compreender e acolher informações tão sensíveis. Desse modo, raramente há uma reflexão sobre se aquele era o momento certo para se abrir tanto. Quando isso não é bem recebido, é comum ver a culpabilização do outro — “ele é imaturo”, “ela é insensível”, “ela é traumatizada”, “ele é narcisista” —, sem considerar que a exposição pode ter acontecido fora de contexto, movida por ansiedade ou pressa e por ter impactado o outro precocemente.

Por isso, é fundamental que as pessoas reflitam sobre o impacto de suas atitudes nas fases iniciais da relação. Exposição não é sinônimo de conexão. Timing importa — tanto quanto o que é dito. Saber avaliar o momento, o espaço e o vínculo é essencial para que a partilha seja bem recebida e para que a relação se desenvolva com consistência e respeito mútuo.

Sem dúvida. Essa prática pode facilmente ser confundida com vulnerabilidade genuína — e é justamente aí que mora o risco. Em muitos contextos, há uma expectativa de que a pessoa se exponha logo no início, como se isso fosse prova de autenticidade. Mas o que vemos, na prática, é que essa exposição muitas vezes funciona como um processo de julgamento. A pessoa se mostra, e o outro avalia se ela “serve” ou não.

Essa prática pode ser confundida com vulnerabilidade genuína? Qual a diferença?

Quem se expõe tão cedo pode, sim, estar sendo vulnerável — mas também pode estar tentando seduzir, agradar, acelerar o processo ou corresponder à expectativa do outro. Às vezes, a pessoa está tão envolvida na ideia de construir algo, que não consegue perceber que ainda não há base para tamanha entrega.

A vulnerabilidade genuína exige consciência e contexto. Ela acontece quando a pessoa compartilha algo íntimo sabendo dos riscos, mas confiando que há espaço para acolhimento. Já a exposição precipitada costuma acontecer sem esse cuidado — movida pela necessidade de conexão rápida, de aprovação, de garantir logo um lugar na vida do outro.

A diferença, portanto, está menos no conteúdo revelado e mais no timing, na intenção e na qualidade do vínculo em que essa entrega acontece.

Floodlighting: quando a exposição emocional precoce afasta — imagem usada pelo psicólogo Elídio Almeida, especialista em terapia de casal.
O psicólogo Elídio Almeida, especialista em terapia de casal, analisa como o floodlighting pode gerar desconexão e frustração nos relacionamentos amorosos.

Qual seria uma abordagem mais saudável e equilibrada para construir conexão e intimidade em um relacionamento?

A abordagem mais saudável e equilibrada é permitir-se viver o processo — conhecer o outro com tempo, presença e curiosidade genuína. Isso envolve respeitar o ritmo da relação, as sensações que surgem e o vínculo que se constrói com o tempo.

Hoje, muitas pessoas entram em um relacionamento com um modelo pronto, um ideal já formatado. Elas não estão abertas a conhecer o outro como ele é, mas sim à procura de alguém que encaixe em uma lista de pré-requisitos. Com isso, o relacionamento deixa de ser uma experiência viva e passa a ser uma tentativa de controle — um roteiro em busca de atores.

Construir intimidade, no entanto, exige espaço para o improviso, para as descobertas, para o cotidiano real. É no convívio, nas trocas, nas pequenas vivências que se desenvolvem a confiança, a empatia e o desejo de permanência. Relações verdadeiras não nascem prontas: elas se constroem — uma conversa de cada vez, um gesto de cada vez, um cuidado de cada vez. E isso demanda tempo e investimento na convivência.


Gostou da entrevista?

Agora quero saber sua opinião.

Você já viveu ou presenciou situações em que alguém compartilhou demais, cedo demais, em um novo relacionamento? Acha que o floodlighting pode atrapalhar ou contribuir para a construção de vínculos afetivos? Compartilhe este post e deixe seu comentário. Vamos juntos abrir espaço para esse diálogo tão necessário.

Elídio Almeida

psicólogo CRP 03/6773

Elídio Almeida, psicólogo em Salvador, é graduado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), especializado em Terapia de Casal e Relacionamentos e pós-graduado em Psicologia Clínica pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Dedica-se à prática clínica, oferecendo atendimento psicológico a casais e psicoterapia individual para adultos. Realiza atendimentos presenciais em Salvador-BA e online para pessoas de todo o Brasil.

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