Há um provérbio que diz: de boas intenções o inferno está cheio. Sem dúvidas, a lógica por trás desse ditado popular denuncia que palavras de otimismo e boas intenções não bastam; especialmente quando a intenção é acolher e ajudar alguém. Em muitos casos, agir de tal modo pode ser recebido como pouco acolhedor, gerando resultados catastróficos ao bem-estar daquele que vive em sofrimento. Do mesmo modo, a relação entre aquele que fala e o que supostamente escuta fica, em consequência, prejudicada. No entanto, obviamente, há quem discorde dessa lógica. Não por acaso, muitos usam constantemente a famigerada frase “não fique triste porque a vida é bela”, mesmo em situações que alguém tenta colocar para fora seus sentimentos e emoções, demonstrando que algo não está bem. Por isso, é necessário refletir sobre a maneira como a falta de empatia presente nos atos de positividade tóxica afeta as pessoas e as relações.
Não importa o sofrimento, veja o lado bom da vida. Oi?
É fato que muitas pessoas sofrem caladas. A concordância quanto a isso, certamente, é unânime. Mesmo assim, ainda são poucos aqueles que questionam os motivos pelos quais existem ao seu lado tanta gente com dificuldade para expressar sentimentos e emoções. Menos ainda são aqueles que se implicam em tal fato. Ou seja, raramente as pessoas se questionam a razão pela qual suas relações sociais, profissionais e afetivas são tão superficiais. Do mesmo modo, muitos não refletem sobre como suas posturas e suas falas afetam o bem-estar e a espontaneidade do outro na relação.
Na prática, aqueles que vivem situações de sofrimento sempre tentam, de algum modo, externalizar suas angústias e desconfortos. Contudo, frequentemente, se deparam com pessoas pouco empáticas que agem de modo a inibir os sentimentos e emoções, desviando o foco para outras realidades. Em casos assim, mesmo que a intenção seja ajudar, muitas pessoas adotam a postura de “ver o lado positivo das coisas” e dizem palavras como: “não fique triste porque a vida é bela”. No entanto, aqueles que recebem esse “conselho” geralmente se sentem infantilizados, tal qual uma criança que é distraída com brinquedos quando está sofrendo ou desejando algo distinto. Por isso, cabe ressaltar que muitos atos de positividade são tóxicos e podem piorar ainda mais o sofrimento daqueles que são conduzidos, ainda que momentaneamente, a abandonar sua dor para olhar o lado bom da vida. Embora faça sentido para algumas pessoas, vale ressaltar que tal postura inibe a espontaneidade da expressão dos sentimentos e emoções, bem como fragiliza o vínculo da relação.
Mudar o foco não resolve os problemas
Em resumo, quando uma pessoa tenta colocar para fora suas angústias e sofrimentos não espera, necessariamente uma solução ou distração para os problemas enfrentados. Além disso, alguns sofrimentos não permitem “ver o lado bom ou positivo das coisas”, de modo que é em vão dizer palavras como: “não fique triste porque a vida é bela”. Isso chega a ser agressivo à dor do outro. Ainda que intervenções desse tipo sejam possíveis, é de fundamental importância, antes de tudo, acolher aquele que está em sofrimento. Agir de maneira distinta pode evidenciar que a tentativa de falar sobre o seu sofrimento não foi efetivamente compreendida. Em consequência, a pessoa pode se retrair e não aprofundar a questão, comprometendo o vínculo e a relação.
No entanto, infelizmente, muitos pais, amigos e até profissionais que deveriam escutar com mais qualidade e empatia, agem de modo excessivamente pragmático e pouco acolhedor. Por isso, é importante compreender que nem sempre aquele que tenta falar sobre seu sofrimento quer uma resolução ou consultoria. Ainda que isso seja possível, é crucial, antes de qualquer intervenção, acolher a pessoa em sofrimento. Do contrário, o suposto ouvinte se mostra frio, agride e despreza a dor do outro. Pense nisso! Afinal, de boas intenções e positividades tóxicas, o inferno está cheio. Não é desviando o foco para o possível lado bom das coisas que se lida com a dor e o sofrimento seja seu ou do outro.