No post “Doença psicossomática, o que é isso?” falei um pouco sobre a problemática das doenças psicossomáticas e como elas se enquadram no cotidiano de muitas pessoas. Nos campos em que é estudada, podemos encontrar várias perspectivas e entendimentos acerca da psicossomática. Mas é importante destacar que a psicologia comportamental entende que as manifestações e emoções apresentados nas “doenças psicossomáticas” são produtos do contexto no qual estamos inseridos. E é justamente esse contexto que vai nos mostrar o que originou e o que mantém a doença emocional.
Hoje, falarei um pouco sobre a relação de um episódio que envolve insônia, ansiedade, dor de cabeça os comportamentos que geralmente são classificados de anti-sociais. Às vezes tudo isso ocorre ao mesmo tempo e precisamos saber qual a função de cada um desses atores para uma interpretação adequada dos fatos.
A doença psicossomática e a ansiedade
Com certeza você já se sentiu ansioso em alguns momentos da sua vida. Mas, por acaso, você já tentou definir o que é ansiedade? Pois bem, vamos usar um episódio de ansiedade para tentarmos entender um pouco mais sobre as doenças psicossomáticas e sobre o encadeamento de cada ação em nossa vida.
Já ouvi muita gente dizer que tem dor de cabeça porque é ansioso. Que tem insônia porque têm ansiedade. Que tem dor de cabeça psicossomática. Assim como também já ouvi pessoas dizerem que nunca vão a baladas, porque toda vez que vão a estes lugares sofrem com uma série de desconfortos. Essas pessoas comumente são taxadas de pessoas anti-sociais.
Não dá para sair por aí dizendo que tudo e qualquer coisa é uma doença psicossomática. Também não podemos sair por aí dizendo que as pessoas são anti-sociais sem empreendermos seu contexto.
Para você entender melhor a psicossomática e a ansiedade
Na terapia comportamental, compreendemos a ansiedade como um “estímulo pré-aversivo“. Ou seja, não é o mal ainda, mas gera danos concretos, da mesma forma que o estímulo aversivo em si. Em outras palavras, a ansiedade funciona como o prenúncio do mal, como se fosse um pré-mal, que tem o poder de gerar enormes danos emocionais, ainda que também cumpra a função de preparar o nosso organismo para enfrentar o mal propriamente dito.
Assim, a ansiedade seria a sensação emocional desconfortável diante da certeza ou impressão de que algo ruim está prestes a acontecer.
Com esse entendimento, vamos contextualizar um pouco, para finalmente entendermos que a somatização – ou seja, as manifestações que observamos em nosso corpo, mas que não possuem causas orgânicas – é algo do danosas vivência e não de uma dimensão mágica e superior ao homem, como comumente as doenças psicossomáticas são vistas.
Um exemplo para ilustrar:
Fabiana já está com mais de 30 anos e sofre muito com isso. Ela quer muito casar e ter filhos. Disseram a Fabiana que ela tem que, toda sexta-feira, ir a uma balada, para poder conseguir um namorado, casar e ter filhos. Ocorre que, todas as vezes que ela foi à tal balada, não arranjou ninguém. Na verdade, começou até a se sentir humilhada com toda essa situação, já que todas as suas amigas sempre conseguem paqueras ou namoros e ela acabava sem ninguém. Toda tarde de sexta-feira, quando está chegando a hora de terminar o expediente e as colegas de trabalho entram em contagem regressiva para a noitada, Fabiana sente-se muito ansiosa.
Toda semana, essa história se repete e ela tem ficado cada vez ainda mais desconfortável com essa situação e uma série de sintomas são sentidos ou vistos em seu corpo. Com o passar do tempo, Fabiana percebeu que, toda sexta-feira, seu desempenho no trabalho estava sendo menor em relação aos outros dias. Ela também passou a ter uma misteriosa dor de cabeça que não passa com nenhum remédio. Nenhum exame dos que ela já fez conseguiu identificar algo errado em seu funcionamento orgânico.
Fabiana tem uma doença psicossomática? Sim, realmente ela sente todas as reações físicas e emocionais da ansiedade. Mas a grande pergunta é: o que efetivamente causou todos esses sintomas? Foi a “doença psicossomática” ou foram outros elementos/eventos do contexto?
Muitas pessoas, inclusive alguns profissionais, são taxativos em dizer: foi uma somatização. Como se isso fosse suficiente para compreender toda a questão, ou que isso, por si só, resolvesse o problema.
Veja que a balada, que era algo altamente satisfatório para as amigas de Fabiana, tornou-se algo altamente aversivo para a nossa personagem. Logo, toda tarde de sexta-feira passou a ser um pré-aversivo para Fabiana, como um aviso que ela estaria exposta a algo ruim logo mais à noite. A partir daí, dado todo o contexto, surgiram vários sintomas (sintomas, não causas, ok?) como: a misteriosa dor de cabeça, sensação de falta de ar, picadas nas mãos e nos pés, sensação de desmaio, dores no peito e palpitações, boca seca, além da probabilidade de ficar aborrecida com os colegas de trabalho.
A situação pode ficar tão grave que Fabiana pode até generalizar todos os acontecimentos da sexta-feira para as quintas-feiras, quartas… Enfim, pode sentir-se tão ansiosa, o tempo todo e com todos os sintomas acumulados, que passaria a ter insônia e outros sintomas agravados, sendo que a causa real do problema estaria bem distante. Isso poderia enganar várias pessoas, inclusive a própria Fabiana.
Sei que enxergar a doença psicossomática dessa forma não é assim tão fácil, mas devemos sempre ir em busca das causas reais, para efetivamente implementar o tratamento adequado que foque a causa do problema e não o sintoma, como muitos fazem. Por isso, sempre afirmo aos meus pacientes que as dores, sensações físicas e o sofrimento são reais, mas quando não encontramos as causas orgânicas, devemos buscar as causas contextuais para termos sucesso no tratamento.
Por isso, nunca negligencie seu problema, sua dor ou os problemas ou dores de terceiros. Nada acontece por acaso. Tudo tem uma causa e toda causa um tratamento específico, que pode até fugir à lógica convencional, mas talvez valha a pena conhecer e experimentar.