Demonstrando dor e sofrimento – Normalmente dou umas aulinhas de psicologia para meus pacientes, durante as sessões de psicoterapia. Costumo fazer algumas comparações entre os entendimentos técnicos-científicos da psicologia com situações da nossa vida cotidiana. Quando falo sobre assertividade ou agressividade, por exemplo, é muito comum eu usar um fictício caso do atendimento numa emergência hospitalar. Algo mais ou menos assim:
Uma pessoa chega à emergência de um hospital com 38º de febre e solicita atendimento médico. Na recepção, recolhem os documentos e pedem para o paciente sentar e aguardar. Passam-se duas horas e ele continua sentado, calmamente, sem ainda ser atendido. Após 3 horas, outra pessoa chega ao hospital, com os mesmos sintomas, solicita o atendimento, tem os documentos colhidos e é solicitada a aguardar, pois tem apenas uma pessoa em sua frente. Ao ser informado que terá que esperar, o segundo paciente – diferentemente do primeiro – começa a reclamar, gritar, fala que conhece o diretor do hospital, que conhece o prefeito, governador, xinga, bate no balcão, ameaça chamar a imprensa, fazer denúncias etc. E, diante de tudo isso, o atendente agiliza seu atendimento e o encaminha imediatamente para o consultório médico.
Analisando o caso, percebemos, nitidamente, como o atendimento neste hospital priorizou e valorizou muito mais o comportamento de quem agiu de forma inadequada, deixando de prestigiar aquele que agiu adequadamente (apesar do tremendo chá de cadeira) no contexto descrito.
Alguns pacientes, inclusive, até já me perguntaram se eu já tinha vivido ou presenciado tal cena e, até esta semana, eu podia dizer que não; tudo ali contado não passava de um mero exemplo didático com objetivos terapêuticos. Contudo, a partir de agora, posso falar com mais propriedade sobre o caso, pois tive a oportunidade de testemunhar e viver algo muito parecido e agora posso atestar a veracidade de entendimentos e hipóteses criadas no contexto terapêutico.
Por isso, como já o fiz anteriormente aqui no blog – quero, juntamente com você, refletir tais questões e comportamentos, para juntos pensarmos um pouco mais sobre a razão pela qual selecionamos os comportamentos a serem apresentados em determinados contextos, além da importância e da dificuldade de expressar sentimentos, emoções e comunicar coisas que somente nós sentimos, por exemplo, a nossa DOR.
Falhamos aos demonstrar nosso sofrimento.
Um dia desses precisei ir à emergência de um hospital. Nada grave, apenas um mal-estar. Chegando à unidade, informei que queria ser atendido, fui encaminhado à triagem. Após esse protocolo, mesmo com algumas anormalidades físicas constatadas, fui orientado retornar à recepção e aguardar. Fiquei frustrado, obviamente, mas segui a orientação.
Passado algum tempo, notei que outras pessoas estavam tendo prioridade no atendimento. Compreendi, naturalmente, pois era visível que alguns pacientes demandavam urgência maior, uma pessoa que chegou desacordada após uma síncope (desmaio), por exemplo. Tudo aparentemente fluindo normalmente até que num dado momento chegou à emergência um casal que me chamou a atenção.
Ela falando ao celular com alguém que parecia ter retirado o cartão do plano de saúde de sua bolsa. Ele olhando frequentemente para o relógio, solicitou o atendimento, não demorou muito e foram encaminhados à triagem. Nesse momento a mulher se transformou: assanhou o cabelo, pôs um pouco de saliva nos olhos, adotou uma postura fragilizada (ou ainda mais fragilizada), se apoiou no homem e andou com passos mais compassados, diferentemente de como havia entrado no hospital instantes antes.
Mesmo com a dor intensa que eu sentia, não pude deixar de observar tudo aquilo (a sina de ser psicólogo: sempre atento a tudo). Pra mim era óbvio que ela estava doente, mas não tão grave como tentou demonstrar.
Independente da ética daquele casal, a ênfase na apresentação da doença parece ter dado certo e não demorou para terem acesso ao atendimento do clínico. A consulta durou menos de cinco minutos e saíram do consultório tão logo entraram. Ela, com a mesma aparência que havia chegado, porém com um papel que deveria ser uma receita ou um atestado. Lógico que estou aqui apenas relatando uma percepção para os fatos, mas não pude me furtar ao questionamento por ter sido preterido àquela situação.
Notei que outros pacientes tinham um comportamento muito parecido com o adotado pela mulher no momento em que esta foi até a triagem. Não falo da suposta encenação, mas a aparência de todos era muito similar: cabisbaixos, braços cruzados, caras de choro e dor, amparo de acompanhantes, movimentos lentos…
Ops, um insight! Fiz uma auto análise e entendi por que tive que aguardar tanto tempo para o atendimento médico: não expressei “adequadamente”, convencionalmente, meus sentimentos e minhas emoções para a enfermeira que me atendeu na triagem, ou seja, neste caso, “falhei” ao expressar minha condição. Resumindo a história, creio que não consegui convencer a enfermeira acerca da dimensão da minha necessidade. Quando (finalmente) fui atendimento pelo médico, após sua anamnese e avaliação, fui levado a uma sala, onde fui inquirido por mais três médicos, enquanto alguns auxiliares já providenciavam acesso venoso e adoção de alguns procedimentos para exames. Tive que passar o dia no hospital, fiz uma bateria de exames e, após identificarem a causa do mal-estar, fui medicado, monitorado e liberado. Desde então, estou muito bem! =D
A inoportuna experiência me trouxe vários insights.
O primeiro deles é que Skinner estava certo quando disse que nós (humanos) não nos comportamos sem visar um ganho e, sabendo disso, podemos intervir nos contextos e direcionar nossos comportamentos para obter resultados de acordo com nossas expectativas.
O segundo, que Skinner também estava certo quando afirmou que as atividades consideradas mentais como os pensamentos, sentimentos, emoções e a própria dor, também são comportamentos, porém, comportamentos privados que apenas quem sente pode observá-lo diretamente. Em outras palavras, pensar, sentir medo, sentir dor, felicidade também são comportamentos, assim como correr, falar, trabalhar ou dormir; o que distingue esses últimos exemplos de comportamentos dos primeiros é somente a quantidade de observadores que têm acesso a eles. Cantar, por exemplo, é um evento público, já que é acessível a quantos observadores estiverem presentes no momento em que alguém estiver cantando. Uma dor, por outro lado, só é acessível a quem está sentindo esta dor, sendo, portanto, um evento privado.
Nesses termos (o que pode está sendo uma novidade ou até mesmo estranho para você que está lendo algo do tipo pela primeira vez), chorar, falar, gritar, dançar e tantos outros exemplos de ações que possam ter dois ou mais observadores, são chamados comportamentos abertos, porque são públicos. Enquanto os pensamentos, sentimentos e emoções são chamados comportamentos encobertos, porque são privados, ocorrem sob a pele de quem se comporta e por isso não são acessíveis diretamente aos outros; exatamente como falei anteriormente no post “Isso é psicológico?”.
Meu terceiro insight foi que o estudo da Alexitimia e dos comportamentos agressivo, inassertivo e assertivo, algo que tenho me dedicado nos últimos anos, podem realmente ser verificados em todos os ambientes onde há interações humanas e justamente por isso devemos ter propriedade sobre eles para termos mais sucesso nessas relações.
Uma comparação que costumo fazer com meus pacientes é pensar que os comportamentos públicos são como as copas das árvores e as raízes são como os comportamentos privados. Através da psicoterapia comportamental muitas gente tem conseguido compreender melhor seus comportamentos, suas ações públicas ou privadas e o melhor, a partir desse processo de autoconhecimento, estão ganhando mais autonomia na sua relação intrapessoal e também nas relações interpessoais.
A compreensão dos comportamentos humanos não é uma tarefa fácil, muitas vezes adotamos aquilo que é mais prático e nem percebemos que contribuímos com essa atitude, de alguma maneira, para que as consequências desta ação se volte contra nós em algum momento. Por isso, é altamente importante procurarmos ampliar mais o nosso olhar sobre o mundo e sobre nós mesmos. De posse desses conhecimentos, poderemos ter uma participação muitos mais ativa e consciente em nossas relações ou até mesmo fazer mais aquilo que é certo ao invés de cair nas armadilhas do que “dá certo”. Pense nisso!