Você teria coragem de fazer terapia de casal com uma inteligência artificial?
E se eu lhe mostrasse duas respostas — uma gerada por IA e outra por um terapeuta humano — você saberia dizer qual é qual?
Essas perguntas surgem porque, sim, é real a chegada da inteligência artificial na terapia de casal. Com isso, torna-se fundamental refletir: será que conseguimos distinguir uma orientação oferecida por um psicólogo humano daquela gerada por uma IA como o ChatGPT? Afinal, diante da popularização das tecnologias — hoje presentes em praticamente todos os campos do nosso cotidiano — muitas pessoas já não conseguem diferenciar uma intervenção construída a partir da experiência clínica humana daquelas elaboradas por algoritmos sofisticados.
Por essa razão, considero pertinente analisarmos e discutirmos neste post um artigo publicado em fevereiro de 2025 que vem dando o que falar. Nele, um estudo revela que as pessoas, além de não conseguirem distinguir as respostas humanas das respostas feitas por IA, ainda avaliam as respostas da inteligência artificial como mais adequadas e alinhadas aos objetivos da terapia de casal do que aquelas dadas por profissionais humanos experientes.
Como a Inteligência Artificial se saiu no teste de Turing emocional
Será que a inteligência artificial vai substituir algumas profissões que, até pouco tempo atrás, considerávamos exclusivamente humanas? Hoje, a IA é capaz de realizar tarefas que antes exigiam anos de formação e dedicação. Além disso, ela entrega resultados em questão de segundos — muitas vezes com qualidade similar ou até superior à de profissionais experientes. Dessa forma, essa revolução silenciosa e abrangente levanta questões sérias sobre o futuro de diversas áreas, incluindo a psicologia e a terapia de casais. Afinal, sempre se acreditou que o contato humano era insubstituível.
Essa dúvida, no entanto, não é apenas teórica. Foi a partir de inquietações como essas que me deparei recentemente com um estudo publicado na revista PLOS Mental Health, intitulado “When ELIZA meets therapists: A Turing test for the heart and mind”. Logo no título, os autores fazem menção à ELIZA — um dos primeiros exemplos de “terapeuta” artificial — e ao “teste de Turing”. O teste de Turing, por sua vez, foi idealizado por Alan Turing em 1950 e propunha um desafio inovador para sua época: uma máquina conseguiria enganar humanos ao ponto de parecer uma pessoa real?
Em primeiro lugar, é importante lembrar que o Teste de Turing foi um experimento revolucionário. Ele questionava se uma máquina poderia exibir comportamento indistinguível do de um ser humano. ELIZA, por sua vez, foi o que hoje chamamos de chatbot. Criada nos anos 1960 por Joseph Weizenbaum, ela demonstrou que um programa de computador poderia simular uma conversa significativa — mesmo sem ter um entendimento genuíno do que estava sendo dito.
Nesse contexto, o estudo de Hatch SG, Goodman ZT, Vowels L, Hatch HD, Brown AL, et al. (2025) retoma essa reflexão e traz a discussão para o presente, dessa vez adaptada ao universo da terapia de casal.

Metodologia e resultados: o que o estudo revela sobre nós?
O estudo publicado na revista PLOS Mental Health teve três objetivos principais:
- Avaliar se os participantes conseguem identificar quais respostas foram geradas pelo ChatGPT e quais foram escritas por terapeutas humanos;
- Comparar se as respostas da IA ou dos terapeutas estão mais alinhadas com os fatores comuns da terapia, como empatia, aliança terapêutica e competência cultural;
- Investigar diferenças linguísticas entre as respostas humanas e artificiais.
Para isso, de um lado, 13 profissionais de saúde mental — incluindo psicólogos clínicos, terapeutas de casal e um psiquiatra —, e de outro lado o ChatGPT-4, responderam a 18 situações clínicas e cotidianas da terapia de casal. As respostas foram, então, avaliadas por 830 participantes. Essas pessoas precisavam julgar a qualidade, a empatia e o alinhamento terapêutico das respostas, sem saber quem havia produzido cada uma.
Consequentemente, o resultado foi surpreendente. Ao tentar distinguir as respostas, os participantes acertaram apenas 56% das vezes ao identificar respostas humanas e 51% ao identificar respostas da IA — números muito próximos do acaso.
Além disso, as respostas da IA foram, em média, melhor avaliadas quanto à empatia, competência cultural e formação de vínculo. Dessa forma, o estudo trouxe dados que desafiam algumas crenças fundamentais sobre a prática terapêutica.
Afinal, será que a inteligência artificial pode realmente substituir um psicólogo humano?
Acredito que não. E, ao longo deste post, vamos entender melhor o porquê.
“A IA responde o ideal treinado; o humano responde à realidade vivida.”
Inteligência artificial na terapia de casal como aliada, não como substituta
Nada melhor do que refletir a partir de estudos empíricos, não é mesmo? Por isso, os dados deste estudo provocam uma reflexão importante para todos. Especialmente para nós, psicólogos, terapeutas de casal e, claro, para os pacientes. Se a IA é capaz de gerar respostas tão bem avaliadas, qual é, então, o verdadeiro diferencial do trabalho humano?
Em primeiro lugar, é importante lembrar que, enquanto terapeutas humanos, atuamos ao vivo, lidando com emoções autênticas, impasses inesperados, silêncios e outras informações subjetivas carregadas de significado. A IA, por outro lado, conta com um gigantesco banco de dados. Seus modelos de linguagem são treinados para construir respostas altamente otimizadas e estruturadas.
Em termos práticos, a inteligência artificial pode até soar impecável. Contudo, na vida real, é a humanidade imperfeita que sustenta o vínculo, conecta as pessoas e transforma as relações. Afinal, “tecnologia não dá ré”. Ela está entre nós, transformando nossas práticas e exigindo uma postura ética, crítica e estratégica.
Portanto, negar ou demonizar os avanços tecnológicos — inclusive a presença da inteligência artificial na terapia de casal — não é o caminho. O desafio está em conhecer, compreender e, na medida do possível, integrar essas ferramentas de forma responsável.
Dessa forma, como terapeuta, acredito que a IA pode, sim, ser uma ferramenta de apoio. Ela pode contribuir para ampliar o acesso ao conhecimento sobre saúde mental e apoiar intervenções educativas em larga escala. Contudo, é fundamental reconhecer que a tecnologia não substitui a presença, o olhar clínico, a experiência, a escuta ativa e a empatia vivida na relação terapêutica humana. Afinal, a relação terapêutica não é apenas sobre o que é dito, mas também sobre o que é construído e vivido no setting terapêutico.
O futuro da terapia (e da humanidade na terapia)
Por fim, sejamos realistas. É fato que, diante da tecnologia atual, muitas atividades rotineiras das profissões — inclusive aquelas realizadas por psicólogos e terapeutas de casal — poderão, sim, ser atravessadas ou apoiadas pela inteligência artificial. No entanto, a alma do trabalho terapêutico permanece como um campo essencialmente humano. Afinal, é na construção de uma relação genuína, no manejo cuidadoso do processo terapêutico e na compreensão implícita dos silêncios e das entrelinhas que reside a verdadeira essência da nossa atuação.
Por outro lado, como terapeutas, precisamos nos apropriar dessas mudanças. Assim, torna-se fundamental compreender a tecnologia, utilizá-la de forma ética e inteligente, mas sem abrir mão daquilo que é a nossa maior fortaleza: a humanidade. Afinal, como gosto de reforçar, “se a inteligência artificial veio para ficar, é a inteligência emocional que nos manterá essenciais.”
E você, o que pensa sobre isso?
Você acredita que a terapia de casal poderia ser substituída por uma máquina?
Já teve alguma experiência com ferramentas de inteligência artificial no campo da saúde mental?
Como imagina o futuro da psicologia nesse novo cenário?
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