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Esse é o segundo dos quatro posts sobre HIV e Aids em que trago algumas informações úteis sobre o tema. Iniciei esta série com este post aqui [ 1 ]. Leia também os posts [ 3 ] e [ 4 ]. Acredito que você irá gostar!
Então, certamente, assim como você, minhas primeiras informações sobre HIV e Aids vieram da televisão, novelas e filmes que abordaram o tema ou através das campanhas dos órgãos de saúde. Houve também os inconsequentes disse-me-disse que sempre rolam em relação à vida alheia. Desde minha adolescência, mais ou menos quando entenderam, em casa e na escola, que era hora de falar sobre sexo, ouvi muito sobre a importância de usar camisinha, sexo seguro, riscos de doenças e mais doenças, tudo com muitas entrelinhas, além de pouca objetividade e eficácia na instrução.
Lembro-me, como hoje, de uma equipe de agentes de saúde entrando na sala de aula, no ensino médio, para fazer demonstração (com uma banana) de como usar a camisinha. E fizeram um verdadeiro sermão punitivo sobre doenças sexualmente transmissíveis, deixando todos muito mais aterrorizados e traumatizados, que instruídos. Tempos depois, na clínica-escola da faculdade de psicologia, atendi minha primeira paciente com HIV, que havia contraído o vírus, provavelmente, do seu marido que mantinha relações extraconjugais.
Depois de formado, trabalhei numa ONG aqui em Salvador que acompanha pessoas que convivem com HIV e Aids. Nessa instituição, até posei para o calendário anual da instituição, juntamente com artistas e personalidades que abraçam a luta contra a Aids (veja fotos abaixo).
psicólogo tratamento HIV e Aids em Salvador
Também, em minha prática como psicoterapeuta clínico já pude acompanhar pacientes soropositivos. Alguns destes casos associados a tentativas e ideações suicidas. Muito por isso, estou sempre estudando sobre o tema e me sinto à vontade para abordar a questão.
Quis, aqui, destacar essa pequena trajetória, pois sei que não tenho o rico currículo ou o imenso trabalho que os pesquisadores da área possuem, mas ainda assim me sinto qualificado para sobre o HIV e Aids. Mesmo que usando como o argumento pressuposto da liberdade de expressão.
Bem, como disse no post anterior (aqui), em fevereiro deste ano ouvi numa rádio uma entrevista com o ministro da saúde do Brasil, que me deixou extremamente incomodado. A entrevista acontecia em função do lançamento da tradicional campanha de carnaval para “conscientização” da prevenção e incentivo ao teste do HIV e Aids, que este ano teve como tema #PartiuTeste. E claro, a motivação vinda do depoimento de Gabriel Estrala.
Na sua fala, o ministro destacou os investimentos nas campanhas publicitárias, o pessoal envolvido nas ações de prevenção e conscientização do uso da camisinha para evitarmos o contágio e a transmissão das DSTs. Além do fácil acesso ao teste para saber se a pessoa possui ou não o vírus do HIV. Lógico, destacando a forma rápida, segura e sigilosa (oi?!) do teste.
hiv e aids tratamento psicológico em salvador
Sinceramente, fico me perguntando como seria mantido o sigilo numa situação onde você e seus amigos estão na maior empolgação a caminho de uma festa para se divertirem, daí resolvem fazer um teste desses e você fica sabendo que possui um vírus repleto de estereótipos negativos, inclusive associado à morte? Acho que o governo pensa que, numa situação dessas, as pessoas sairiam de lá felizes da vida e a balada continuaria numa boa, só depois a ficha da pessoa iria cair, né?! Na ocasião da entrevista, o ministro também apresentou alguns dados do Boletim Epidemiológico 2014, trazendo dados como:

    1. Estima-se que cerca de 800 mil pessoas vivem com HIV e Aids no Brasil.
    2. Os registros apontam que 600 mil têm diagnóstico.
    3. Entre as pessoas diagnosticadas com o vírus, apenas 350 mil tratam a infecção.
    4. Acredita-se que cerca de 200 mil desconhecem a própria condição de infectada.

Particularmente, não acredito nos dados dos itens 1 e 4 mas, ainda assim, a fala do ministro, juntamente com os dados apresentados e as informações que possuo, especialmente dos casos que pude acompanhar no consultório, me deixaram com a sensação de que muita coisa inadequada está acontecendo.
De início, pensando historicamente em todo investimento que tenho visto o Ministério da Saúde fazer através de propagandas hiperarrojadas para atrair e convencer a população a fazer o teste de HIV, além o incentivo ao uso da camisinha como método preventivo, parece que o objetivo do Ministério da Saúde é meramente equacionar as estatísticas e trazer  para o tratamento aqueles que ainda não estão sendo medicados. É como se, no entendimento do governo, simplesmente encontrar e medicar todos os infectados e tudo estaria resolvido. Aliás, o próprio ministro afirma isso:

“São dois desafios para interromper a cadeia de transmissão: trabalhar com os 200 mil que têm HIV e não sabem e que, portanto, precisam fazer o teste, e trazer para tratamento esses 250 mil que são HIV positivos e não se tratam”
Arthur Chioro, ministro da Saúde

Então, se (teoricamente) há 800 mil pessoas infectadas no Brasil, mas os registros dão conta de apenas 600 mil diagnosticadas, de cara já podemos perceber que há (teoricamente) 200 mil que se esquivam do diagnóstico. Pelo que estamos vendo o objetivo do governo é – e até está correto – encontrar esses (teoricamente, repito) 200 mil que ainda não foram achados, para assim ter uma tentativa de controle sobre o HIV e Aids no Brasil. Vale lembrar que todos os que já foram diagnosticados, não necessariamente foram motivados a fazer o teste em função das campanhas do governo. Há casos em que uma pessoa vai espontaneamente doar sangue para ajudar um amigo ou parente e lá descobre que está infectado e isso não tem relação direta com os “investimentos publicitários” do governo.

HIV e AIDS não são a mesma coisa!

A grande questão é que, mesmo tendo uma quantidade enorme de falhas, ano após ano essa estratégia do governo não muda. Gasta-se uma verdadeira fortuna em campanhas e peças publicitárias, porém os objetivos do Ministério nunca são alcançados e a conta entre possíveis infectados, diagnosticados e de pessoas que podem estar infectadas e não sabem, nunca fecha. Com isso, rios e milhões de dinheiro público vão pelo ralo.
Para se ter ideia, o SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal), informa que em 2014 foram gastos 15 milhões somente com a campanha contra AIDS para o carnaval. Algo ainda mais grave é perceber que, mesmo diante de todo esse investimento e insistência na manutenção da mesma tática, os casos de HIV (diagnosticados)  tiveram um aumento de 11% no Brasil nos últimos 8 anos. Apesar disso, lamentavelmente, contrariando o bom senso, mesmo sem fechar os números e sem diminuir o aumento de infecção no país, o Governo ainda insiste em manter o mesmo modelo, mesmo sendo tão claramente ineficaz.
HIV e Aids tratamento em salvador
Penso que se as “cabeças pensantes” do Planalto e dos órgãos de saúde do nosso país fizessem duas perguntas rápidas e eficazes, teríamos outra realidade bem menos assustadora em relação ao HIV e a Aids no Brasil. Bastavam se perguntar:
1) Por que mesmo diante de tantos esforços os casos de HIV e Aids não param de aumentar no país?
2) Por que, mesmo sabendo que oferecemos tratamento gratuito e eficaz, a população não atende aos chamados para a testagem e o diagnóstico, preferindo não saber ou ignorar que pode estar com uma doença potencialmente grave?
Assim, fica claro que as investidas do governo teriam bem mais sucesso e retorno se tudo fosse pautado pela perspectiva da população que vive aterrorizada com o fantasma do HIV/Aids. Ainda assim, a estratégia vigente é desconsiderar o histórico, as informações que foram amplamente difundidas ao longo do tempo – que ainda estão presentes no imaginário da população – e esperar que, de uma hora para outra as pessoas mudem o rótulo de uma doença que vista pela sociedade como uma das maiores entre os males na saúde mundial.

Fotos Calendário: Marcelo Mendonça

Esse é o segundo dos quatro posts da série sobre HIV e Aids com algumas informações úteis sobre tema. Há outros três textos anteriores. Caso queira lê-los, clique aqui: [ 1 ], [ 3 ] e [ 4 ].

Elídio Almeida

Psicólogo em Salvador, formado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e especializado em Terapia de Casal e Relacionamentos (CRP). Possui também pós-graduação em Psicologia Clínica pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Dedica-se à prática clínica, oferecendo acompanhamento terapêutico a casais, famílias e atendimento individual para adultos. Além disso, ministra cursos e palestras na área.

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