Conviver com alguém que reclama de tudo é exaustivo — e até adoecedor. Todo mundo conhece alguém que vive dizendo que está com dor, que nada está bom, que o mundo está cada vez pior. Às vezes é um parente mais velho; outras vezes, um amigo que sempre arranja um motivo para soltar uma queixa no meio da conversa. E o mais curioso é que, de tanto ouvir esse tipo de reclamação, a gente começa a achar normal. No entanto, esse hábito constante de reclamar, embora pareça inofensivo ou até cultural, tem nome e é estudado: chama-se lamento crônico. O conceito foi apresentado pela professora Maria J. Garcia Rubio, da Universidade Internacional de Valência, na Espanha, e publicado recentemente no site The Conversation, em conteúdo divulgado pela BBC News Brasil.
Segundo a autora, pessoas que mantêm esse padrão de reclamação frequente — e também quem convive com elas — podem experimentar prejuízos importantes no bem-estar, nas relações interpessoais e nos vínculos sociais. Mas os impactos não param por aí. De forma ainda mais significativa, o lamento crônico pode afetar profundamente os relacionamentos conjugais. É justamente sobre isso que vamos tratar neste post: como a convivência com alguém que passa o dia inteiro reclamando desgasta a relação afetiva — e de que maneira a terapia de casal pode ajudar a transformar esse cenário.
Como o lamento crônico prejudica o casamento
Conviver com alguém que reclama de tudo — absolutamente tudo — é algo que, com o tempo, se torna insuportável. Estamos falando daquele tipo de companheiro ou companheira que nunca deixa passar nada: reclama da hora que acorda até a hora que vai dormir. Reclama do café, do trânsito, do trabalho, da toalha molhada, do barulho do vizinho… Enfim, tudo vira motivo para reclamações e críticas.
Portanto, não se trata apenas de alguém mal-humorado ou exigente. O lamento crônico, nesse nível, afeta diretamente a saúde emocional da relação. Afinal, quem convive com esse padrão costuma se sentir drenado, esgotado e desvalorizado. Além disso, é comum viver em estado de alerta constante, como se fosse preciso prever qual será a próxima reclamação. Assim, aos poucos, a leveza da convivência dá lugar à tensão, ao silêncio — e, claro, ao distanciamento afetivo.
Esse ambiente emocionalmente carregado fragiliza a relação. Inclusive, pode abrir brechas para comportamentos de risco, como traições, afastamentos emocionais ou até a separação. Afinal, ninguém se une a alguém para viver uma rotina pesada e cheia de críticas. Isso desgasta o vínculo e mina o desejo de permanecer junto.

Excesso de reclamações pode ser apenas a ponta do iceberg
Mais do que um mau hábito, o lamento crônico pode ser também sintoma de algo mais profundo. Isso porque, em muitos casos, a pessoa que reclama demais pode estar, na verdade, expressando desconfortos emocionais mais profundos e não elaborados dentro do relacionamento.
Um exemplo disso pode ser observado em situações em que, em vez de falar abertamente sobre frustrações afetivas, falta de reconhecimento, mágoas ou insatisfações acumuladas, a pessoa que reclama de tudo transforma episódios corriqueiros em gatilhos para despejar críticas. Assim, consciente ou inconscientemente, tenta chamar atenção para dores maiores — que seguem sem nome e sem espaço para serem debatidas e elaboradas.
O problema é que esse padrão, comum em quadros de lamento crônico, geralmente não atinge a causa real do conflito. Em vez disso, ele sufoca o parceiro e, com o tempo, desgasta profundamente o relacionamento. Por isso, a crítica constante — como já tratei em outros textos — é um dos principais causadores de conflitos conjugais. E, não raramente, abre brechas para traições ou se torna um atalho para o fim da relação.
Quando o problema não é a crítica — é o que ela encobre
Certa vez, atendi um casal em que a queixa principal dele era o excesso de reclamações da parceira. Segundo ele, nada escapava: o modo como ele falava, o jeito como se vestia, até o que escolhia para assistir na TV. Tudo virava crítica.
Durante a Terapia de Casal, identificamos que, meses antes, ela havia descoberto uma traição — e nunca falou sobre isso. Optou pelo silêncio por medo de perder o relacionamento. No entanto, o sofrimento não desapareceu. Pelo contrário: permaneceu ruminando em sua cabeça e, com o tempo, gerou um incômodo constante que acabou sendo expresso em forma de reclamações diárias, intolerância e desgastes nos pequenos detalhes do cotidiano. Ou seja, à primeira vista, o problema parecia ser o lamento crônico. Mas, na verdade, havia uma ferida aberta que precisava ser reconhecida e elaborada. A crítica era apenas o sintoma.
Esse tipo de dinâmica é mais comum do que parece. E praticamente todos os dias vejo algo semelhante em meu trabalho como terapeuta de casal. Portanto, quando o casal não encontra um espaço seguro para identificar essas causas mais profundas, o conflito vira ruído — e a relação sofre.
Por outro lado, mesmo quando não há um grande conflito oculto por trás, o lamento crônico por si só já é suficiente para gerar desgaste. E a terapia de casal também entra aí: para ajudar o casal a compreender como esse padrão afeta a relação, aprender novas formas de comunicação e resgatar a leveza da convivência.
Como a terapia de casal pode ajudar a transformar esse padrão
Muitos casais vivem uma rotina marcada pelas críticas e reclamações constantes no relacionamento. Geralmente essas reclamações se tornam constantes e a sensação é de estar preso em um ciclo desgastante — repetitivo, sem saída e cheio de conflitos difíceis de estancar. Esse cenário, muitas vezes, é um sinal claro de que a relação precisa de ajuda profissional. E é justamente aí que a terapia de casal pode fazer a diferença.
Buscar um psicólogo especializado pode abrir espaço para que o casal olhe com mais clareza para aquilo que vem sendo vivido no dia a dia. Além disso, frequentemente, o lamento crônico é apenas a superfície visível de desconfortos muito mais profundos. Por trás das queixas frequentes, podem existir dores não nomeadas, frustrações não ditas, mágoas antigas ou conflitos nunca elaborados. A pessoa reclama do café, mas, na verdade, sente-se desvalorizada. Reclama da louça na pia, mas carrega ressentimentos guardados há anos.
Portanto, tratar o lamento crônico não é apenas silenciar reclamações. É permitir que o casal se escute com mais empatia, resgate a leveza da convivência e reconstrua uma relação mais respeitosa, acolhedora e consciente — onde cada um possa ser ouvido de verdade, sem ser atacado nem sobrecarregado pelo peso do negativismo.
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Agora quero saber sua opinião. Você já viveu ou conhece alguém que vive um relacionamento marcado por críticas e reclamações constantes? Acredita que o lamento crônico pode esconder dores maiores que nunca foram ditas?
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