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A polarização política vivenciada atualmente no Brasil alcança seu ápice. Com isso, o comportamento e a interação entre as pessoas têm mudado, inclusive afetando os relacionamentos amorosos. Isso é o que afirma dois levantamentos recentes que tratam sobre esse tema. Um deles, um estudo realizado pelo Instituto Reuters para Estudos de Jornalismo em quatro países, incluindo o Brasil; e outro feito pelo programa Mídia e Cotidiano da Universidade Federal Fluminense (UFF). A partir desses dados conclui-se que as pessoas passaram a evitar discussões políticas nos relacionamentos. Além disso, constata-se que a ideologia política tornou-se pré-requisito em aplicativos de paquera

Polarização política e o vetor para os problemas do relacionamento 

A pesquisa do Instituto Reuters feita nos Estados Unidos, Reino Unido, Índia e Brasil indica que cerca de dois terços dos brasileiros adotam cautela ao discutir política, especialmente nas redes sociais. Desse modo, quando comparado aos quatro países investigados, o receio ao discutir política é o mais alto entre os brasileiros. Isto se reflete por meio do cuidado tomado ao posicionar-se politicamente na internet ou fora dela. Não por acaso, a pesquisa conclui que as pessoas passaram a evitar discussões políticas nos relacionamentos. Tal postura, além de evitar os embates político-partidários, pode ser uma estratégia para não transformar a polarização política em vetor para outros problemas previamente estabelecidos no relacionamento. Pelo menos é isso que ocorre em muitos dos casais que acompanho em meu consultório. Por isso, é fundamental pensar nos impactos da polarização política no dia a dia dos relacionamentos amorosos.

Todo relacionamento pode se deparar com pontos de incompatibilidade. Porém, nenhum par será fidedignamente igual ao outro na relação.
Todo casal pode se deparar com pontos de incompatibilidade no relacionamento. Porém, nenhum par será fidedignamente igual ao outro na relação.

Ideologia partidária como pré-requisito nos aplicativos de relacionamentos

No estudo feito pelo programa Mídia e Cotidiano, da Universidade Federal Fluminense (UFF), homens e mulheres afirmam que na busca de um par romântico através dos aplicativos de relacionamento adotam uma estratégia similar ao apontado pelo Reuters. Nestes casos, para dar match ou prosseguir na conversa, os usuários têm verificado e sintonizado o posicionamento político da paquera. Isto é um efeito claro da polarização política. Dito em outras palavras, as pessoas têm como critério básico o fato do outro ter as mesmas preferências de voto como pré-requisito na hora de seguir um perfil ou evoluir na conversa. Assim, 58% dos entrevistados afirmaram que buscam identificar algum vestígio do posicionamento político ou ideológico nos futuros pretendentes. Atrelado a isso, 30% afirma que faz questão de apresentar essa informação no próprio perfil, de modo a se posicionar politicamente ou anunciar, de antemão, sua condição de escolha. Ou seja, as ideologias levaram a polarização política à condição de pré-requisito em aplicativos de relacionamentos.

A polarização não deve ser um espelho para os dilemas dos relacionamentos

A polarização política no Brasil de 2022 é inquestionável. Com isso, de acordo com os levantamentos citados, 2 em cada 3 brasileiros evitam discussões políticas em qualquer esfera, inclusive em seus relacionamentos. Além disso, até mesmo aqueles que estão em vias de encontrar um par romântico também posicionam-se de modo a considerar o alinhamento político como um fator determinante encontro amoroso. Assim, pensando na perspectiva das relações conjugais, tal posicionamento evidencia como as pessoas não dispõem de estratégias eficazes para o diálogo, bem como são ineficientes para lidar com as diferenças inerentes ao convívio a dois.

Embora muitos considerem a diferença da ideologia política como um fator excepcional e inegociável para um encontro casual, namoro ou casamento, é fundamental considerar que o casal sempre necessitará equacionar as distintas perspectivas de cada um dos membros da relação. Afinal, posicionamentos divergentes fazem parte da rotina de qualquer relacionamento e o casal precisará pacificar tais diferenças em prol do bem-estar e sucesso do relacionamento. Por isso, é fundamental salientar que os pares devem dispor de ferramentas e estratégias para lidar com as questões dessa natureza. Afinal, as condutas utilizadas para driblar os embates da polarização política neste momento podem incutir nas pessoas a ideia de que apenas alguém fidedignamente idêntico a si serviria para construir um relacionamento amoroso. Tal visão é inatingível e, embora sujam incompatibilidades como a ideologia politica, tal premissa não deve ser generalizada. Ou seja, naturalmente haverá pontos inegociáveis, mas nem tudo no outro será como um espelho de si.

Elídio Almeida

Psicólogo em Salvador, formado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e especializado em Terapia de Casal e Relacionamentos (CRP). Possui também pós-graduação em Psicologia Clínica pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Dedica-se à prática clínica, oferecendo acompanhamento terapêutico a casais, famílias e atendimento individual para adultos. Além disso, ministra cursos e palestras na área.

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